O que eu temo nos “cristãos”*

28 de março de 2019 0 Por Leandro Marçal

*por Vinícius Miraldo

Uma reflexão proposta por um cristão sobre a situação atual do Cristianismo e de suas relações no Brasil.

A religião está presente em todas as culturas do mundo. Em todas elas há a existência de um ser superior que criou tudo e todos. Diversos fenômenos históricos constituíram a formação de cada uma delas. Isto faz com que todas tenham feridas que são constantemente lembradas. Algumas cicatrizaram, outras não. Dessa forma, como algumas vivem até hoje? A resposta é simples e, se vistos externamente, os abusos são extremamente evidentes.

O Brasil não foi um país formado com o impulso da ideologia protestante, como foi parte da América do norte. Na verdade, ele é construído quase que totalmente por interesses econômicos externos e de grupos de brasileiros que se perpetuaram no poder. Dessa forma, um dos reflexos no cenário atual é que grande parte da população vive na pobreza. Em certas regiões, não há perspectiva de desenvolvimento, já que certos locais não têm incentivo para crescer e ter geração de empregos. Programas sociais são agressivamente criticados por pessoas que acreditam que a ajuda oferecida pelo governo (que tenta cumprir seu papel como constituição e busca soluções a curto prazo) é uma esmola que busca “fidelizar clientes” na manutenção de algum tipo de plano maléfico para dominar o país e transformá-lo em uma máquina de reprodução de um pensamento limitado. Todo esse processo, esse ciclo, cria um campo fértil para uma minoria, “em nome de deus”, cometer todo tipo de abuso.

Homens são escolhidos por uma força inexplicável. Através da leitura de um livro que há dois mil anos foi escrito e construído, versículos tornam-se ordens rígidas que definem o rumo da vida das pessoas. Conselhos nunca foram tão facilmente criados e instituições nunca foram tão encorajadas a serem abertas. É simples começar uma igreja. Basta ter uma inspiração (a mentira de um vazio que ordena e da predestinação). Nas dificuldades da vida, as coisas que não parecem ser impossíveis de ser resolvidas tornam-se o alívio nas mãos de um guia que garante que seu deus vai solucionar, da forma que o pedinte deseja, qualquer que seja o problema. Alguns pedem fé, outros pedem tudo que o indivíduo tem.

O processo continua: através da mais recente Teologia da prosperidade, os cristãos são instruídos a se doar. “Tudo que é dado é devolvido três vezes mais” é um dos típicos discursos proferidos. Como em uma instituição financeira que busca explorar seus clientes até que sejam sugados ao máximo, seus guias espirituais são ensinados a utilizar histórias com cunho religioso para incentivar essa “doação”: “Dois homens fizeram uma doação a uma igreja. Um deles era rico e, o outro, pobre. O homem rico deu cinco moedas. O pobre, apenas duas. Qual deles deu mais? O pobre, ou o rico? O pobre, com certeza! Sabe por quê? O pobre deu tudo que tinha, deu tudo de si”. A defesa de um deus, criado pelos homens e que promete a salvação dos problemas terrenos é a melhor arma para explorar de forma que a vítima seja anestesiada.

Cada vez mais as pessoas são abusadas “em nome de deus”. Não existe mais limite para abrir um local e chamá-lo  sagrado.  A usurpação desse poder não é somente financeira. Ela pode ser moral: um padrão é construído para o grupo, definido através da vontade de seu líder que tem ‘’ base bíblica”. Assim, quem assiste determinado programa de televisão, quem anda de skate, quem consome álcool, quem gosta de dançar etc. está caminhando em direção à danação eterna. Pessoas são manipuladas por “padres”, “pastores” ou qualquer outra entidade religiosa, que acredita ter autoridade para definir a vida alheia. O pior é quando essa doença se reproduz facilmente e contamina outros membros dessa comunidade, que começam a opinar a vida das outras, agindo como executor em nome de deus. O grupo acolhe novos membros e os rejeita na medida que quebram regras simples, como usar um tipo de roupa proibido, por exemplo. Quando a religião está mais preocupada em colocar uma coleira em seus fiéis do que em promover mudanças sociais, ela não está cumprindo seu papel.

A religião tem sido usada como máscara por canalhas que escondem seu verdadeiro eu: criminosos, assassinos e instigadores de ódio contra pessoas que buscam apenas viver sua vida de forma independente, sem qualquer orientação espiritual. A própria associação entre bondade e religião é puramente maléfica: nem todas as pessoas más estão fora da igreja e, sem dúvida, nem todas as pessoas boas estão ajoelhadas lá dentro. A verdade é que o inverso muitas vezes é comum. As pessoas se esquecem que a única barreira que as separam umas das outras são as limitações que elas próprios criam. Pessoas não-religiosas devem ser amadas e respeitadas, pois todos devem ser livres para fazer suas próprias escolhas. Afinal, não foi isso que sempre foi ensinado?

Também não podemos esquecer os líderes espirituais verdadeiros: homens e mulheres que, historicamente, sacrificaram sua vida em função do próximo e que nunca buscaram nenhuma glória para si mesmos, mas trabalharam pela construção de um mundo melhor, pessoas que sempre souberam que uma Igreja não deve ser um campo de batalha, mas um hospital onde as pessoas vão para serem tratadas. Onde não há necessidade de nada além da fé. Infelizmente, sua imagem é manchada por verdadeiros monstros, que corroem mais do que tudo a essência do que a religião busca, não só no cristianismo, mas em todas elas.

Vivemos num mundo de deturpadores da realidade que criam mais feridas nas pessoas do que são capazes de tratar das que já existem. Um dia, todos esses falsos profetas vão encontrar seu criador. Certamente, vão ficar desapontados por saber que nunca o conheceram de verdade.