O delegado vai ao banheiro
De uns dois anos para cá, a rodoviária de Santos ficou mais receptiva. Depois da reforma interminável, agora os visitantes não tropeçam em pombos deixando rastros pelos cantos e as placas instruem a gente recém-chegada com clareza. Guichês estão por aqui, caixas eletrônicos estão por lá, lanchonetes ficam de um lado, a saída com os táxis à espera de passageiros fica do outro lado, e o balcão de informações é cercado por profissionais de segurança com pouco sorriso e muito tédio. Claro, um dos lugares mais importantes de uma rodoviária tem sua direção escrita em letras maiúsculas: o banheiro.
Desço do ônibus circular e confiro o relógio, tenho um bom tempo antes da reunião importante num escritório do centro. Apertado, apertadíssimo e quase suando frio, penso no banheiro da rodoviária. O novo banheiro da rodoviária. Será minha primeira e indesejada visita. Pelo que me disseram, não é mais escondido e finalmente tem trancas decentes nas portas para evitar constrangimentos.
Banheiros públicos sem a mínima conservação e higiene são a comprovação da nossa falência como sociedade. Se não damos as condições básicas para que as pessoas tenham um mínimo de conforto ao se aliviar nos momentos de congestionamento intestinal, somos hipócritas ao pregar empatia.
Passo pela entrada principal e fico impressionado com a estrutura. É outra rodoviária, mesmo. Olho as placas e procuro o lugar de alívio antes que a situação se agrave. Cruzo a porta azul, dou boa tarde a um homem uniformizado, parece ser da limpeza. Ele indica os locais da cabine e do mictório, eu penso que ainda sou capaz de enxergar mesmo sem óculos. Acho estranha sua fala sobre a visita de um tal delegado naquele local, mas dou pouca atenção, tenho outras urgências.
Tranco a porta da cabine, noto uma recente limpeza feita com materiais de qualidade. Parece até que somos civilizados. Lá dentro, ouço o barulho da porta abrindo outra vez. Novamente, as indicações cordiais do trabalhador.
— Boa tarde, delegado. Seu escritório é por ali, doutor. Pode ficar tranquilo, ninguém vai ver sua arma, eu cuido aqui do DP. Depois do procedimento legal, é só olhar pra cima, tem papel suficiente pra registrar o B.O. A limpeza é comigo, a segurança é contigo. Não tem vagabundo pra incomodar, não.
Pelo visto, todo mundo é tratado como autoridade. No fim das contas, todos precisamos passar pelos mesmos rituais de tempos em tempos. O sábio trabalhador da limpeza ri de cada um de nós, porque sabe qual é a única preocupação ao cruzar com ele pelo caminho.
Dou descarga e penso em alguma piada besta para retribuir seu bom humor antes de ir embora. Lavo as mãos, seco as mãos, só consigo elaborar um “boa tarde”. Passo por um cidadão apressado, que mal ouve as saudações ao delegado quando entra no banheiro.
Confiro o relógio, vou andando até o escritório da reunião de daqui a pouco. Espero que não demore muito, mas também espero que consiga fechar esse bom contrato. Meus passos são rápidos, são passos de ansiedade. Noto mais gente apressada, de pasta na mão e roupa social.
Chego ao local da reunião, retribuo o sorriso da recepcionista. Tem gente que deixa o trabalho mais leve.
Adorei a crônica! Parece ser bem real e criativa.
Boa semana!
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Até mais, Emerson Garcia