Muito barulho por nada

24 de abril de 2023 0 Por Leandro Marçal

Não sou um grande conhecedor da obra de Shakespeare. Li umas coisas e sei pouco mais que o básico. Se for uma falha na minha formação, é compreensível, convenhamos. Dia sim, outro também, uma peça me vem à cabeça. Menos pelo enredo, mais pelo nome: muito barulho por nada.

Encenada pela primeira vez entre 1598 e 1599, a comédia envolve personagens apaixonados e com alergia a casamento, outros com ânsia por juntarem as escovas de dentes e aqueles com planos dramaturgicamente mirabolantes para separar e juntar casais. Essas coisas, você sabe.

Os detalhes não vêm ao caso, já avisei que não sou especialista no tal do William e nos seus escritos de uns séculos atrás. Também já disse que é o nome, é o título da peça, esse é o motivo de uns pensamentos banais e nem por isso menos importantes a povoar meus dias.

Depois de alguns anos cuidando da saúde mental com sessões semanais, quinzenais e agora mensais de psicoterapia, fica mais fácil evitar o gasto de energia com lutas que não valem a pena. Rios de polêmicas vazias desaguando no mar das discussões sem fim. Dá até vontade de falar, expor meus pensamentos não tão banais e livrar o mundo, ou pelo menos aquelas pessoas, de uma triste ignorância.

Mas respiro e penso nele, no Shakespeare: muito barulho por nada. Não vale a pena. A vida é muito curta para gastar tempo com algumas irrelevâncias. Melhor balançar a cabeça, me fingir de surdo, rezar mentalmente por uma rápida mudança de assunto.

Tive dias de demonstrar meus posicionamentos e opiniões sempre que possível. Nisso, caí em armadilhas evitáveis, como aquela do imbecil levando o papo para o campo da imbecilidade e ganhando a disputa, por estar mais acostumado a tomar banhos de chorume. Prefiro não jogar xadrez com pombos.

(Eu sei que é clichê, quase autoajuda, mas não deixa de fazer sentido: mesmo que você seja enxadrista profissional, a ave derruba as peças na mesa, caga no tabuleiro e sai por aí falando que ganhou de goleada. É uma metáfora desgastada, mas volta e meia reciclada, como fiz agora. Nem sei se cabe falar em goleada no xadrez, e nem sei movimentar direito as peças, outra compreensível falha de formação.)

De qualquer jeito, recomendo que leiam Shakespeare. Que leiam mais. Que leiam textos bem escritos, mesmo que isso significa desistir dessa crônica. Talvez, quem sabe, um dia, por que não?, possamos sonhar com um mundo de menos gritaria.

Enquanto não resolvo minhas falhas de formação, talvez insolúveis por me sentir em constante formação humana, ainda me espanto com tantos ruídos. A qualquer custo, por todos os cantos, a todo momento. Tanto tempo depois, ainda dá para ouvir: é muito barulho por nada, meu caro William.