México 70

20 de junho de 2022 2 Por Leandro Marçal

Quando vou a Praia Grande, uma rápida olhada para o lado direito me permite enxergar o México 70, o bairro. E não foram poucas as vezes em que pensei naquela que já foi considerada a maior favela de palafitas do Brasil enquanto lia México 70, o livro. Escrito pelo jornalista escocês Andrew Downie, autor de Doutor Sócrates: A Biografia, foi publicado no Brasil pela Editora Grande Área.

Nele, a primeira Copa do Mundo disputada no México, a primeira Copa do Mundo televisionada a cores, a primeira Copa do Mundo em que boleiros foram punidos com cartões amarelos é contada por seus personagens. Da preparação ao legado da seleção brasileira tricampeã mundial, relatos em primeira pessoa de jogadores e técnicos formam um retrato tão particular quanto universal, conduzindo o leitor a entender o contexto da México 70, a Copa.

Conheci muita gente boa do México 70, o bairro. Muitos nunca ouviram falar da pré-história de seu lugar. Muitos não têm a menor ideia da relação direta entre esse nome de batismo e o futebol, sempre tão usado politicamente.

Nasci, cresci e ainda moro em São Vicente, no litoral de São Paulo. De acordo com a Geografia, o México 70 fica a sudoeste da porção insular do município, entre a Ponte dos Barreiros (que liga a ilha à Área Continental) e a Ponte do Mar Pequeno (que liga a cidade à vizinha Praia Grande).

Um bairro não é só um aglomerado de casas de madeira ou alvenaria. Um time de futebol não é só um amontoado de gente entrando em campo e correndo atrás da bola. E uma história não é só uma versão: nas muitas vozes de México 70, o livro, vemos que uma história é feita de muitas histórias.

Quando converso com os mais velhos, o elenco do trimundial é quase unanimidade como representação da excelência com a bola nos pés. Uns e outros ainda falam da seleção brasileira de 1982, provando que a eternidade não se constrói só com vitórias.

Conheço muita gente boa e fanática por futebol. Muitos não têm a menor ideia do que foi a Copa do Mundo de 1970. Não sabem que eram 75 seleções tentando chegar lá, bem menos que as atuais 210 postulantes ao Mundial de Seleções. Também se espantam com o total de 16 seleções na México 70, a Copa, tão habituados aos 32 times classificados para Qatar 2022, a próxima Copa. E acham um absurdo os jogos em ritmo menos corrido e sem direitos de marketing mais de 50 anos atrás.

Nos múltiplos relatos de México 70, o livro, entendemos melhor aquela defesa do Gordon Banks, aquele gol do meio da rua que o Pelé não fez contra a Thecoslováquia, aquele drible do Pelé no Mazurkiewicz na semifinal contra o Uruguai, aqueles jogos disputados num calor monumental. E também aquelas artimanhas nos bastidores.

Porque se uns ainda querem acreditar que política e esporte não se misturam, sou do time que vê a política tão enraizada no esporte quanto minha vida em São Vicente. E se há quem alimente a ojeriza à política, sou do grupo que enxerga na política, e somente na política, soluções para melhorar a vida de quem vive em lugares como o México 70, o bairro.

A frase final de México 70, o livro, é do Tostão: “Alguns dizem que a seleção de 1970 fica melhor a cada vez que a veem. E eu entendo. Quando ouço músicas antigas do Tom Jobim ou do Chico Buarque, também acho que são as melhores.”

Eu acredito no Tostão. E conheço muita gente boa que precisa olhar com mais atenção e respeito para todos os México 70 que existem.