Medo de grávidas*

29 de outubro de 2020 1 Por Leandro Marçal

*Como hoje é dia de tebetê, trago outra crônica do meu irrelevante túnel do tempo. Dedico a minha irmã, que está gravida. Publiquei este texto há uns quatro anos na minha abandonada conta no Medium.

Ouvi uma respiração cansada e pensei no calor infernal do lado de fora da agência climatizada. O banco confortável me iludia e não percebi estar há mais de uma hora ali, esperando minha vez de pagar uns boletos e fazer um depósito urgente. Quando olhei para o lado, uma grávida segurava sua senha e me cumprimentou com o sorriso de quem já se acostumou ao peso de carregar uma vida prestes a ver o mundo.

Tive medo. Não tanto quanto de piscinas, mar e grandes concentrações de água. O pânico também não foi o mesmo dos dias em que subo muitos andares e me pedem para olhar a linda vista da cidade. Por não ter asas, sei que devo me manter em terra firma. Muita altura me obriga a rever o filme da minha vida em velocidade acelerada.

Quando uma grávida se posiciona perto de mim, penso na possibilidade da bolsa estourar. Teria que colocar em prática todo o aprendizado de filmes e séries. Sinto medo fazer algo errado ao trazer uma nova vida ao mundo. Se eu fizesse besteira, não apareceria como herói numa reportagem de cinco minutos no jornal do almoço, tampouco estaria nas histórias da família desconhecida como o homem que ajudou no parto em plena agência bancária.

Pelo contrário, passaria o resto dos dias com a consciência pesada por um movimento errado, que jogou nove meses de expectativa no luto eterno.

Deve ser mesmo paranoia, mas fico receoso até de trocar ideias aprofundadas com quem vê no parto um alívio para a coluna. A hipersensibilidade da gravidez me faz imaginar um cenário terrível. Eu falo sobre a beleza do dia, a mulher barriguda chora de lembrar que há pessoas passando fome no mundo e só eu, um monstro, poderia estar feliz sabendo disso. Eu seria o vilão, é claro. É crime imperdoável levar às lágrimas quem carrega o futuro da nação no útero.

As pernas não chegam a tremer, mas também me sinto paralisado só de pensar num movimento errado me fazendo tropeçar, esbarrando na grávida e causando uma lesão séria. Eu não me perdoaria. Ninguém me perdoaria.

Depois de dez minutos, ela me mostrou a senha e eu respondi que sim, era aquela aparecendo no painel. Percebi que não estava muito bem, fiz questão de ajudá-la a chegar ao balcão de atendimento. Obrigado, de nada. Que boa ação do dia que nada, não fiz mais que minha obrigação.

Quando ia embora, faltavam uns bons dez clientes à minha frente. Ela se aproximou e me presenteou com um chocolate. O meu preferido.

­­Sabe como é, né? Fome o tempo inteiro — apontou para a barriga —Trago sempre um doce na bolsa. Muito obrigada, viu moço?