Me obrigam a ser ranzinza
Não me ofendo quando me acusam de ranzinza e mal-humorado e rabugento e pessimista e cricri e ranheta e casmurro e teimoso e irritadiço e aborrecido e implicante e reclamão e caxias e quadrado e ácido e cabeça-dura e chato.
Nem dá para concordar com nada disso. Como diz aquela gente famosa depois de fazer merda: quem me conhece sabe. Na verdade, ser realista e pragmático e organizado e pontual deixa a simpatia e a animação artificial no banco de reservas.
Se sempre é possível piorar, esses tempos de redes sociais deixam qualquer pessoa de bom senso com a cara amarrada, especialmente quando nos deparamos com a felicidade pré-cozida feito miojo. Para mim, é cansativa demais a busca interminável por uma vida de comercial de margarina.
O noticiário é sempre uma porrada (ou várias). Mesmo assim, cobram um ânimo descabido. Tudo vai melhorar, e se não melhorar a culpa é de quem não pensou incessantemente que tudo vai melhorar. Na dúvida, culpe os pessimistas. E os signos. Se possível, também os signos dos pessimistas.
Esse otimismo deslocado da realidade drena minhas energias, suga minhas forças. Desço a serra dirigindo e percebo que o freio não está mais entre nós. Segundo essa gente estranha, arrebentar o carro na traseira de um caminhão ou voar pela ribanceira não tem causas mecânicas, mas de uma suposta negatividade.
Não tenho embasamento científico ou estudos de alguma universidade para comprovar a minha tese não-escrita de que a cultura coach tem lá sua grande parcela de culpa. E como não pretendo ganhar a vida como guru desmotivacional, me sinto à vontade para tratar esses encantadores de serpentes como espalhadores da positividade tóxica, essa doença-mãe de muitas frustrações e ansiedades e depressões em tempos de comparação digital.
Chamo essa insanidade generalizada de banalização da alegria. Se quiser rir, pode rir. Se quiser chorar, pode chorar. Se quiser mandar todo mundo à puta que pariu, mande, desde que não custe o seu emprego. Ou a sua integridade física. Se brotar aí um sentimento de obrigação para ser mais emotivo e expansivo e de bem com a vida, melhor rever seus conceitos. Eu sou assim, na minha, no meu canto. Às vezes, o preço a ser pago é alto, mas nem tudo está sempre bom, nem tudo está sempre ruim.
Me chamam de rabugento, respondo que o certo é o certo. Me rotulam pessimista e eu rebato: sou realista. Me cobram mais leveza, mesmo com uma rotina pesadíssima. Me pedem um sorriso na foto, digo que não sei fingir alegria. Nunca fui bom ator. Nunca fui bom em nada, nem em controlar chatice.
Se eu estiver errado e as pessoas que me acusam de ranzinza e mal-humorado e tudo mais estiverem corretas, fico satisfeito se bobo alegre não fizer parte da lista.
O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso. – Adriano Suassuna.
Obs.: só não sei se este tipo existe.