Likecracia

29 de abril de 2021 1 Por Leandro Marçal

Quando Aquele Político posava para as câmeras usando roupas de gari para, supostamente, “colocar a mão na massa”, eu me enchia de vergonha alheia. Não só por ele, mas também pelos desavisados batendo palmas enquanto o maluco dançava, elogiando a demagogia barata como se fosse ação exemplar.

Particularmente, não dou palanque para otários e apontei o ridículo da situação muito antes disso virar moda. Só não esperava que as coisas fossem piorar. Minto, tão pessimista e cético com a política, eu esperava sim, eu esperava muito ver Aquele Político fazendo escola.

Na definição clássica, democracia é a forma de governo em que o poder emana do povo e seus cidadãos elegem dirigentes por meio do voto em eleições periódicas. No Brasil, temos a prática da caquistocracia, sistema em que os governantes são os piores, menos qualificados e mais inescrupulosos.

E desde a segunda metade da década passada, a likecracia ganha força e adeptos. Esse modo de governar se baseia, como o nome supõe, no engajamento em redes sociais. Curtidas, comentários, compartilhamentos. Pessoas em cargos públicos posam com falsa naturalidade para as câmeras, “fiscalizam” obras sem entender nada de assuntos técnicos ali envolvidos, gesticulam durante reuniões e se perfazem de um jeito tosco. Pura canastrice.

A likecracia é o regime de poder ideal para esses tempos de absurda obsessão por produção de conteúdo na internet: influenciadores para todos os péssimos gostos; textos terrivelmente mal escritos, mas com bom ranqueamento nas buscas do Google, repetindo absurdamente as mesmas palavras para garantir boas métricas; vídeos intermináveis e sem graça com o propósito de chamar atenção pela estupidez e viralizar com pouco senso do ridículo. O caminho até à likecracia tem sido pavimentado há uns bons anos.

O Político da Minha Cidade segue o manual à risca. Há alguns meses, está à vontade para se deixar filmar ajudando na pintura de escolas, acompanhando a limpeza de canais e admirando a vacinação de idosos. Sempre forçando simpatia ao cumprimentar munícipes, balançando a cabeça ao ouvir reivindicações na feira, fazendo carinha de interessado. Os takes são ótimos, o enquadramento é perfeito, as legendas são boladas por bons redatores e as hashtags certeiras.

Quando questionado sobre as ações performáticas e cobrado por questões concretas da administração pública, longe do apelo virtual, o Político da Minha Cidade e seu fã clube acusam o golpe, criticando a “velha política” de forma vazia e ganhando aplausos. Engajamento. É isso. Como um sabonete molhado, escapa bem das cobranças e até dá print em cada resposta “exemplar”.

Certamente, há um Político da Sua Cidade publicando vídeos interessantíssimos nas redes. Praticamente um making of com os bastidores do mandato, emulando usuários de Instagram de vida miserável, mas com o feed harmonizado. A herança maldita não foi deixada apenas por Aquele Político, já que o Mais Cretino dos Políticos atiça a horda ressentida nas redes, dando ordens aos robôs.

Não duvido que nos próximos meses o Político da Minha Cidade publique dancinhas do Tiktok para anunciar os feitos da sua gestão, com figuras públicas aqui da província apontando para quadradinhos numa coreografia caricata.

Os buracos nas ruas, as enchentes em dias nublados, o desemprego e a falta de estrutura em todos os bairros continuam. A vida real, longe das redes, não rende tanto engajamento.