Entrevista de emprego

26 de novembro de 2018 1 Por Leandro Marçal

Já faz dez anos que saí da escola e passei a colocar folhas sulfite com letras impressas dentro de envelopes pardos. Distribuí vários currículos andando pelo centro da cidade, pensando em boas empresas para tentar a sorte. De preferência, às segundas-feiras pela manhã. Passaria a imagem de maior interesse, porque ninguém é feliz às segundas-feiras pela manhã.

Também recebi muitas instruções dos mais velhos sobre como me portar durante as entrevistas de emprego e dinâmicas de grupo. Nas primeiras, tive receio de passar vergonha e nunca mais conseguir um trabalho pelas próximas três ou quatro encarnações. Depois de um tempo, até me acostumei e lembrei que só acredito em uma única vida para cada ser humano.

Diziam para me comportar com firmeza, nunca cair no jogo dos entrevistadores. Eles eram capazes de fazer perguntas esdrúxulas só para ver até onde iria minha determinação. Responder de primeira que fechei, sim, a porta da sala, estava entre as principais dicas.

Deveria me atentar ao posicionamento das mãos, para não parecer alguém muito agressivo ou covarde. Quando me solicitassem a indicação de uma qualidade e um defeito, faria da característica negativa uma coisa boa, dizendo que era obsessivo por trabalho ou perfeccionista, por exemplo.

Confesso que de tanto pensar nas instruções e aulas antes das entrevistas, ficava mais nervoso e esquecia tudo. Tinha que correr o risco de ser eu mesmo. Não duvido desse pecado ter sido o responsável por algumas negativas ou mesmo pela ausência de resposta quando tanto esperei pelo telefone tocar e o aviso de que seria contratado.

Com o passar do tempo, percebi não ser o único conhecedor das fórmulas mágicas para respostas prontas. Até porque nunca acreditei ser um escolhido, um predestinado, dono de conhecimentos exclusivos. E se tanta gente sabia das possíveis perguntas, treinava e até dava cursos para isso, de que valiam esses testes?

Trabalhei com pessoas incompetentes na técnica e no caráter. Me perguntei, repetidas vezes, como elas passaram nos testes que amedrontam os desavisados. Então, comecei a acreditar na hipótese de atuações para conseguir a recolocação (ou melhora) profissional. Com o passar dos meses, os infelizes colegas de trabalho conheceriam a face real de quem eliminou concorrentes.

Quando vi a esquete “Entrevista de emprego”, do Monty Python (vejam Monty Python, fiquem viciados em Monty Python!), minha ideia da real serventia desses testes mudou: em alguns casos (ando procurando um emprego novo, melhor não generalizar), eles devem ser usados para a diversão de um entrevistador entediado. Ele vai nos levar a responder perguntas sem sentido e proporá testes ridículos apenas para passar o tempo e depois dar uma risada.

Se formos parar para pensar, ninguém sabe bem como se vê daqui a cinco anos. Tampouco seremos integralmente sinceros ao nomear um defeito e uma qualidade pensando neles em poucos segundos. Muitas vezes, só queremos o emprego. Depois, mentimos para nos manter ou subir de cargo e pagar os boletos da vida adulta.

Essa primeira crônica publicada aqui no Tirei da Gaveta, espero que você efetive esse espaço de leituras, rabiscos e anotações, como um contratante que liga depois de algumas semanas e dá a boa notícia. Quem sabe daqui a algum tempo eu não seja promovido à sua aba de favoritos, para voltar, interagir, criticar.

Aqui é como uma copa ou outro espaço em que tomamos um cafezinho entre uma e outra tarefa no trabalho. Tiramos da gaveta ideias guardadas por lá, em forma de literatura, e trazemos para cá. Só não sei como estarei daqui a cinco anos e tenho muita vergonha de pensar em defeitos e qualidades meus, tentem esquecer isso.

Nas crônicas do Tirei da Gaveta, criarei muita ficção (como nas entrevistas de emprego), mas é por uma boa causa (como nas entrevistas de emprego). Bem, quando aos perrengues em testes e entregas de currículos para conseguir uma boa vaga, pode ter certeza: era tudo verdade. Aliás, continua sendo, continua sendo…