Dr. Antivacina
Não é só pela hipocondria que vou a consultas médicas regularmente. Faço um tratamento mais ou menos complexo, que me exige controlar a alimentação, monitorar o peso, medir a glicemia, me atentar ao colesterol e a outras chatices de tempos em tempos. Nada muito grave, mas não posso descuidar.
Faz parte da minha rotina sair da clínica com a mesma receita médica. Vou à farmácia de manipulação e entrego aquele papel com assinatura, carimbo e registro do CRM de um profissional respeitado. Por muito tempo, fiquei curioso com uma abreviatura no segundo nome do médico: “A.”. Abreu, Anastácio, Átila. Sei lá, tanto faz se era um nome composto, pouco me importava se era um sobrenome esquisito. Até a consulta da semana passada, esse “A.” não passava de mera irrelevância.
— Doutor, por causa do tratamento, eu tenho prioridade pra tomar a bivalente?
— Bivalente? Da covid? Mas nem precisa tomar não, viu?
— Não preciso?
— É, não precisa. Tomou quantas doses já?
— Quatro.
— Quatro doses, tá bom demais. Chega!
— Como assim?
— Olha, cá entre nós, um amigo teve que fazer angioplastia porque também era assim, louco das vacinas, paranoico da covid. A essa altura do campeonato, acredita? Quatro doses é mais que suficiente. Tá bem, tá saudável, desencana, esquece isso…
Meio sem jeito, saí do consultório com a certeza de que o “A.” era um disfarce. Nesses anos de tratamento, nunca suspeitei que ouvia com atenção e periodicamente o temido Dr. Antivacina. Logo ele, que me ajudou a ter mais qualidade de vida, controlando essa condição de saúde tão chata e constrangedora.
Como pode um profissional da saúde desacreditar a ciência? Imaginei meus pares, profissionais de texto, se mostrando contrários à leitura. Em um cenário catastrófico, seria possível topar com jornalistas, escritores, redatores e roteiristas se opondo aos livros, vendo na literatura uma esquisitice, acusando-a de chatice imperdoável. É, esse cenário catastrófico existe.
Se a minha curiosidade era grande para descobrir o significado do “A.” do seu nome, o voto pouco científico nas últimas eleições era uma certeza que dispensava perguntas. Se um médico, um médico!, se diz contrário à vacinação, então tudo é permitido, até a indicação de medicamentos ineficazes para um tratamento, mesmo o mais grave. Como a covid, lembra?
Pensei, pensei. Enquanto esperava o atendimento na farmácia de manipulação, senti vontade de rasgar aquela receita e ir para casa. Minha obrigação era ligar para as tantas pessoas que recomendei o Dr. Antivacina, sempre tão atencioso nas explicações, para dizer que nem cogitassem marcar uma consulta.
Peguei meus remédios, voltei para casa, liguei o computador e entrei no site do plano de saúde. Preciso encontrar outro médico para continuar o meu tratamento. O caso é mais grave do que eu imaginava, não posso descuidar.