Das tragédias

4 de março de 2020 1 Por Leandro Marçal

*O texto abaixo foi escrito por Marcos Teixeira. Marcos é um jornalista luso-brasileiro. Pessoa rara, profissional raro. Escrita rara. Espero que sejam menos raros seus textos por aqui.

No dia 4 de março de 2001, em Aveiro, Portugal, a ponte que ligava Castelo de Paiva e Entre-Os-Rios desabou, matando 53 pessoas que estavam num ônibus, mais seis que caíram logo atrás. Quase 60 vidas engolidas pelas águas porque a ponte, construída 116 anos antes para a passagem de cavalos e bois, não suportou o tráfego pesado de duas mãos em seus seis metros de largura. Segundo minha tia Ana Ferreira, o motorista era um primo nosso, Helder Moreira. Amigos do meu avô (nove pessoas da mesma família) também desapareceram nas águas do Douro, agitadas por causa da tempestade que caía sobre Castelo de Paiva naquela noite.

Ainda de acordo com minha tia, o irmão de um tio nosso perdeu o neto; uma moça, cujo corpo foi resgatado abraçando o seu bebê, trabalhava com nossas primas.

Fatalidade? Incúria, desprezo à vida. A ponte Hintze-Ribeiro, político que a encomendou e que, posteriormente, foi primeiro-ministro de Portugal, necessitava de reformas nas estruturas. Não aconteceram.

Jorge Coelho, ministro do Equipamento Social, foi demitido, mas não foi condenado. Integrantes da Junta Autónoma de Estradas, que sabiam da precariedade do equipamento, foram absolvidos cinco anos depois, quando a comoção já havia transformado vidas perdidas em estatística.

Para eles, políticos e servidores que se servem do povo quando deveriam servir ao povo, pontes, ruas e prédios servem para lhes render homenagem.

Dos 59 corpos, somente 20 foram localizados, deixando o luto incompleto a quem não pode enterrar seus mortos, dentre eles o primo Helder.

Hoje, há no local o Anjo de Portugal, uma estátua de bronze, que pesa 12 toneladas, uma para cada um dos seus 12 metros de altura, e que tem 59 castiçais na base, nos quais são acesas 59 velas todo dia 4 de março, além dos nomes das 59 vítimas. Era melhor haver respeito, pois assim não haveriam castiçais ou velas. Nem as mortes.

PS: Lendo uma matéria do expresso.pt, vi que, passados tantos anos da morte do primo, seu quarto segue intacto e seus pais dormem nele todos os dias.

No Expresso.pt: Entre-os-Rios: 15 anos não é tempo suficiente