Contando passos
Levo apenas o meu relógio nas corridas semanais. Antes de sair de casa, ligo o bluetooth do celular e sincronizo com um simpático aplicativo. Quando volto, outra comunicação como essa atualiza as estatísticas de distância percorrida e minutagem por quilômetro (chamam de “pace”). Meu corpo não se importa com as planilhas e os números. Não posso falar o mesmo da minha mente.
Esse relógio marca até os passos dados durante o dia. Li que a OMS recomenda pelo menos 4 mil passos diários para melhorar a saúde e evitar o risco de morte precoce por sedentarismo. A cada mil passos além dessa indicação, reduzimos em 15% as chances de um mal súbito. Parecem muitos passos para um mundo tão carrista, mas andar não custa nada.
Me custa muito largar essa mania de contabilizar irrelevâncias. Tenho numa planilha a lista de livros lidos ano a ano. Anoto as dicas de filmes num bloquinho de papel, porque sou o tipo de gente que gosta de anotar as coisas em bloquinhos de papel. Para não me perder na rotina de dois ou mais empregos, mantenho duas agendas (de papel, é claro) onde listo as tarefas do dia, da semana, do mês e de entregas estabelecidas por contratos.
E os passos, por que contar os passos?
Não foram poucas as vezes em que olhei no relógio para conferir a hora, e não só a hora. Observei os passos dados, com a desculpa fácil de que para quem trabalha de casa, é preciso dar mais atenção à movimentação do corpo. Não posso me dar ao luxo do sedentarismo. Se chove com frequência e dou poucos passos do portão para fora de casa por alguns dias, a coluna lombar avisa que preciso me mexer um pouco.
E o que isso tem a ver com contar os passos? Penso nos meus antepassados, sem relógio com GPS sincronizado com um aplicativo no celular via bluetooth. Sem ligar para estatísticas sobre a expectativa de vida, só viviam a vida. Penso neles porque penso demais: na vida, nas listas, nos dias, em mim e nos outros. Seriam muitas linhas rabiscadas se eu tivesse a ridícula ideia de criar uma lista de coisas desnecessárias pensadas. Pensando bem, acabei de ter essa ideia, mas prometo a mim mesmo não levá-la adiante. Sei que promessas existem para serem quebradas, mas existe um limite até para o ridículo.
E talvez contar os passos seja um passo além do ridículo. Se isso faz sentido ou não, não posso responder. Mas não corri nos últimos dias porque choveu. No aplicativo do celular, não há estatísticas recentes sobre exercícios. Talvez seja melhor pensar em outra coisa.
“Penso neles porque penso demais: na vida, nas listas, nos dias, em mim e nos outros”. A cabeça que não pára, mil intenções que se não organizadas, não chegam a lugar nenhum. Não dão passos. Gosto muito das inquietações nos teus textos.