Casais

11 de março de 2019 0 Por Leandro Marçal

Casal 1: Ele odeia pensamentos retrógrados, mas ninguém é obrigado a gostar de lavar a louça ou passar um pano no chão da sala, diz aos risos. Nos círculos de amigos progressistas, dá shows de argumentação e demonstra ser mais politizado que a média. Quando chega do trabalho, ela é quem se preocupa em lavar, passar e cozinhar. Ele assiste ao telejornal da noite, se recusa a ficar alienado. A toalha molhada na cama, as meias nos sapatos esquecidos ao lado da porta e a roupa social pendurada na cadeira não viram assunto. A esposa não é de reclamar. Ele não a questiona, mas sente um leve incômodo a cada pedido para ir embora cedo das festas. Ele não se vê sem ela. Ela não se vê.

Casal 2: Elas demoraram meses para avisar às famílias. Os pais de uma entenderam desde o começo. Não havia motivos aparentes para trancar a porta do quarto. A família da outra precisou de uma conversa séria. Elas armaram um almoço de domingo. Queriam contar algo importante e tinham medo da reação. O choque de gerações poderia causar problemas. Uma pensou na hipótese de ajudar a outra a fazer as malas, para nunca mais aparecer ali. Expulsa, a companheira teria que dividir as despesas de casa, com os pais mais compreensivos e liberais aconselhando em meio ao transtorno. Não houve indigestão depois do churrasco. Os pais da outra choraram. Disseram amar a filha, abraçaram a nora. Seguiram comendo e bebendo cerveja. O pai, o último a saber, virou o primeiro a arrumar confusão na rua ao ouvir comentários jocosos sobre a filha.

Casal 3: Ela ainda não sabe, mas vai usar óculos escuros para esconder o olho roxo. Possui vários modelos na coleção, isso não vai ser problema. Problema mesmo será pensar no que dizer para justificar aquele excesso. Não dirá que caiu da escada. Quando as amigas alertaram sobre o comportamento violento, foram acusadas de invejosas e encalhadas. Ele a proibiu de sair com aquelas fofoqueiras. Foi alertada sobre a festinha secreta: ele, os amigos e muitas mulheres. Evitava responder os questionamentos sobre o namoro. Transaram pela primeira vez quando ele namorava outra. Ele a proibiu de postar fotos em redes sociais e não permitia muitas conversas jogadas fora. Ela escolheu uma vida nova, sem os happy hours com o pessoal do escritório. O que não fazemos por amor? Colegas de trabalho fingiam concordar. Ela via nos relacionamentos abusivos um mimimi dessa geração cheia das frescuras. Para ele, havia uma hierarquia a ser seguida, ela tinha dono, deveria respeitá-lo, deveriam respeitá-los. Ela ainda não sabe, mas vai derramar uma lágrima solitária antes de colocar os óculos e gastar muito dinheiro com maquiagem.

Casal 4: Um não se conhecia. O outro se conhecia bem, além das coisas do mundo. Apresentou ao primeiro tudo o que ele não conhecia. Um demorou para se assumir, o outro demorou ainda mais para assumir o sentimento desconhecido. Um nunca foi adepto a amigos, conversas, pessoas. O outro era da cerveja, das baladas, dos grupos, da conversa. Até dos escândalos. Tiveram que se adaptar, um ao outro. Era um cabo de guerra sem fim: pelo isolamento, pelas multidões. Brigavam, terminavam, reatavam. Depois de muito tempo, descobriram todos os cantos um do outro. Seguiam, se conhecendo.

Casal 5: Poderia ter sido diferente. Ele tinha muitos contatos para os fins de semana e começos de madrugada. Ela estava lá. Mas, não sabe bem o que aconteceu, mudou seu nome na agenda. Colocou um coração ao lado do apelido monossilábico. Quando precisou mudar de estado por questões profissionais, ela insistiu em ir junto. Sem coragem de dizer não, aceitou. Tiveram discussões ouvidas pela vizinhança nos primeiros meses. Ele não sabia como lidar com aquilo. Ela não sabia como lidar com aquilo. Continuaram do jeito que dava. Ela conseguiu um emprego na cidade nova depois de quase seis meses. Ele foi promovido. Não pensam em ter filhos antes de pagar o apartamento. O casamento foi semana passada. Fiquei bêbado, caí na piscina, as fotos foram postadas nas redes sociais. Ainda bem que foi assim.