Café da manhã de novela
Acordo, levanto, escovo os dentes, tomo banho, ajeito o quarto porque trabalho do quarto, dou bom dia e bom dia e bom dia, desço as escadas do sobrado. Preciso tomar um café da manhã.
Coloco a xícara na cafeteira, passo manteiga no pão comprado na tarde anterior. É manteiga e não margarina. Manteiga comprada da amiga da família, a dona do meio bar, meio mercearia. O cará, pão típico da Baixada Santista que não se resume a Santos, é melhor que a média, e só aqui na província chamamos pão francês de média.
Café preto com pouco açúcar e um cará com manteiga. Vez ou outra, dois carás com manteiga. Mui raramente, um pedaço do bolo de um dia antes, uma fatia da pizza da noite anterior. Nos tempos de escritório, com um vale-refeição camarada, cabia na rotina um café com leite e um misto quente na padaria da esquina da firma. Bons tempos, mas outros tempos.
O cará adormeceu por dois dias. Acendo o fogão para esquentá-lo na frigideira. O barulho da manteiga em contato com o calor é bom, tão bom quanto o cará na chapa improvisada. Faz tempo que não viajo, que não me encanto com um café da manhã de hotel. Aquelas mesas cheias de opções e dúvidas, como o catálogo da Netflix.
Ovos mexidos e bacon, logo de manhã, quando meu sistema gastrointestinal também demora para acordar? Só em hotel. Ou em novelas. Pode reparar. Suco de laranja e de uva, um bolo, dois bolos, três bolos de cores e sabores diferentes, pão de queijo, geleias vermelhas e roxas e laranjas, queijo prato e peito de peru e salame e presunto e outros frios. São cenas filmadas dentro das casas de personagens comuns, não só dos ricaços e das vilãs que maltratam empregadas. Nessa mesa mais que farta, tem comida para a semana inteira.
Não pode faltar o familiar que sai correndo do quarto, quase sempre o mais jovem, quase sempre o mais enrolado com tramas mirabolantes, que no máximo toma um copo de suco e vai embora correndo, recusando a carona do pai. E a mãe preocupada, porque desse jeito vai acabar com um problema de saúde, porque o filho precisa se alimentar melhor, porque o mundo lá fora não é mole, não.
Tem também o momento da discussão forte, das trocas de farpas. Se por aqui o dia só começa de verdade quando acabo o café com pouco açúcar e o cará com manteiga, na telinha o desjejum pode contar com planos e exposições, olhares sinistros e closes lentos, deixando no ar que dali vai sair algo importante, é melhor prestar atenção.
Tiro o cará da frigideira com um garfo, caminho até a mesa, pego a xícara da cafeteira, sento, dou um gole no líquido preto depois de assoprar, leio as mensagens no celular, falo em voz alta uma banalidade, mordo o pão. Penso nos ovos mexidos e no bacon àquela hora da manhã. Só mesmo em novela.
maçã, banana, melão, salada de frutas, tapioca e dependendo da região, um bom cuscuz de milho, não o paulista. Uma coisa que nunca entendi em café da manhã de hotel é a salsicha cortada em rodelas finas e mergulhadas em um mar de molho de tomate.