Atletas que amam demais

2 de maio de 2023 0 Por Leandro Marçal

Duas ou três vezes por semana, corro sofridos seis quilômetros contra o sedentarismo. Não quero participar de provas e estou conformado com a minha precariedade estética. É pura questão de saúde, tanto física quanto mental. Semana passada, já de tênis, configurando o relógio para marcar a distância, murchei e dei meia volta quando a chuva começou. Gosto de correr, mas sem fanatismo. Sou hipocondríaco, o que me dá medo de escorregar nas ruas mal diagramadas da cidade ou pegar uma pneumonia no prometido temporal.

Resolvi umas burocracias domésticas antes de me dedicar ao nada. Com a televisão ligada e falando sozinha, passei os dedos sobre a tela do celular. Parei num vídeo do nadador Bruno Fratus pegando tanto peso que me deu cansaço só de olhar. Um dos atletas que mais admiro, ele não tem o direito de adiar treinos, recusando a academia por causa do frio congelante ou da chuva alagadora.

Tenho profundo respeito por atletas de alto rendimento. Perdem feriados e fins de semana com a família em prol da carreira. Por mais resultados, sacrificam parte da infância e da adolescência. Dispensam festas de sábado e bebedeiras de domingo porque o corpo, matéria-prima de seu talento, lhes cobra caro. Se obrigam a dedicar horas e horas e horas e mais horas do dia para suar sangue, indo além dos limites antes mesmo das competições. E nada garante o sucesso, nenhum sacrifício dá a certeza de vitórias. Porque só uma equipe, ou só uma pessoa, leva a medalha de ouro para casa, mesmo com todas as outras dando o máximo, se exaurindo para chegar lá.

Se você acha jogadores de futebol profissional bem-sucedidos um bando de arrogantes, milionários e distraídos, eu entendo. Mas mesmo o menos habilidoso, mesmo o mais xingado pela torcida chegou lá, chegou bem longe e consegue humilhar todo mundo com a bola nos pés se for convidado para a sua pelada com os amigos do escritório na segunda-feira à noite. E mesmo os mais arrogantes, milionários e distraídos percorreram quilômetros na base, se sacudiram nas peneiras, dividiram pedaços do pão que o diabo amassou até conseguir um lugar ao sol para ajudar familiares a descansar na sombra.

E nós, peladeiros semanais, normalizando xingamentos e ameaças a suas famílias depois de um pênalti perdido. E nós, com preguiça de andar até o supermercado, vendo coerência na cobrança por melhores resultados a cada quatro anos nos quinze dias dos Jogos Olímpicos.

Do ano passado para cá, voltei a ter contato com um amigo da época de escola. Numa sexta-feira pós-expediente, perguntei-lhe o motivo para mudar de colégio na sétima série, com medo de soar invasivo demais.

— Um clube de basquete me contratou pra jogar na base e mudei pra lá com a minha mãe. Outro estado, outra vida, proposta irrecusável. Fiquei uns anos, mas não tive cabeça pra seguir e acabei largando. Hoje tô aqui, na contabilidade, e só jogo uma vez por mês, e quando dá, e quando posso.

Bebi mais um gole de cerveja e senti o sabor da gordura na porção de frango a passarinho. Tenho certeza que o Bruno Fratus, a Ana Marcela Cunha, o Alison dos Santos e a Rebeca Andrade se permitem raríssimos deslizes desse tipo em sua alimentação regrada por rígidos nutricionistas. Não que precisem disso, mas atletas de alto rendimento têm meu respeito, especialmente quando limito minhas corridas aos dias sem chuva.