Amigos adúlteros

17 de dezembro de 2018 0 Por Leandro Marçal
Em algum lugar do Além, Nelson Rodrigues se divertia com o encontro no novo apartamento. Foto: Revista Bula. 

Como de costume, eu era o único desacompanhado. Não tinha vontade de estar ali, na comemoração do novo apartamento do casal 1. Por uma religiosidade de ocasião, eles se dizem “juntados” e só daqui a alguns meses querem oficializar a união, seja lá o que isso queira dizer. Convidaram apenas os mais próximos. Os homens se conhecem desde a década passada e toparam com as amadas nesses acasos da vida.

Foi o casal 2 quem se preocupou com minha presença. Tocaram a campainha, não queriam me ver chateado por não fazer parte daquele momento. De início, falei que outro dia faria uma visita com calma. Queria continuar vendo minha série. Com a insistência, tomei um banho, me troquei e entrei no carro. Lembrei que, na semana anterior, ela o flagrou em uma festa, digamos assim, privada. Pensei se minha presença no banco de trás não servia para impedir novas brigas. Viajamos calados.  

No apartamento, o casal 1 tratou de dar as boas vindas e avisar que os outros não tardariam a chegar. No grupo masculino do WhatsApp, li o amigo do casal 3 pedindo para o brother do casal 4 inventar uma desculpa e atrasar a saída. Estava, vamos dizer assim, trocando fluidos com uma moça conhecida em um desses aplicativos de flertes. Ele usa um perfil fake para a namorada não descobrir ao ser alertada pelas amigas solteiras, sempre interferindo na vida do casal. Ela reclamou da demora, mas ficou animada com os móveis planejados do novo lar dos amigos.

Sentadas no sofá da sala, as mulheres trocavam novidades. Na cozinha pequena, abríamos latinhas de cerveja e eu era o mais calado. Não tinha problemas de relacionamento para compartilhar, era o menos interessado em reformas, pedreiros e financiamentos para realizar o sonho do imóvel próprio. Quando durmo, penso em outras coisas.

O recém-juntado do casal 1 foi apelidado de soldado abatido pelo malandreado do casal 2.  Este foi logo recriminado pelo atrasado do casal 3. Não poderia dar uma mancada daquelas, coisa de amador. A mulherada está ligeira, dizia. Tanto as fiéis quanto as outras, completou. 

O envergonhado do casal 4 dava poucos palpites, ria e olhava de lado para a sala. Era um pau mandado, os outros comentavam, às escondidas. Foi só depois de alguns meses que sua noiva terminou com o ex, encerrando o ciclo de relacionamentos paralelos. Meus amigos tinham certeza que ela saía com outros, mas não tocavam no assunto, não gostavam dela.

Cerveja vai, papo vem. Abriram uísque, os risos ficaram mais altos. Fazíamos sinal com as mãos para baixar a voz, ninguém queria reclamações dos vizinhos logo de cara. Já de madrugada, a apressada do casal 3 me perguntou os motivos de eu não estar mais com a Fulana. Caminhos diferentes, outras prioridades, respondi. Começaram as análises embriagadas.

Falaram dessas coisas típicas de escritores, mesmo que eu seja o único conhecido por eles. Alguém culpou a escolha por um relacionamento aberto, como em uma defesa da monogamia. Com o ponteiro do velocímetro alcoólico acelerado, não lembro quem nos acusou por não seguir a cartilha padrão. Isso não funciona, era um fim anunciado, sentenciaram.

Temas como a liberdade da solteirice e perguntas sinceras sobre uma possível frustração em não dividir a vida com alguém vieram à tona. Quando me sentia acuado em um programa de barracos vespertinos, pedi para fazer uma pergunta sincera.

– Quem ama trai? Eu acho que sim… E vocês, defensores da monogamia, o que acham: quem ama trai?

Todos me encararam, ninguém respondeu. Mudamos de assunto, perguntaram dos próximos livros. Criaram um grupo no WhatsApp com as mulheres incluídas. Precisamos de outra noite dessas, sugeriu a moça do casal 1. Vamos combinar, amiga, respondeu a pacata do casal 2, no banco do passageiro, antes de seu amado estacionar o carro na porta da minha casa e se despedir com cara de sono.