A queda da confiança

3 de dezembro de 2018 1 Por Leandro Marçal

Quando mais novos, para superarmos a briga da vez, minha mãe nos obrigava a fazer a queda da confiança. É uma velha brincadeira com um tom de lição de moral. Uma pessoa se posiciona à frente da outra, de costas, e solta o corpo sem vê-la, para que ela a segure, evitando o tombo no chão.  Um bom teste para medir vínculos, como o próprio nome do jogo antecipa.

Depois de um clássico desentendimento entre irmãos, tínhamos que repetir a tal queda várias vezes, até que se jogar para trás virasse um ato sem medo, terminando em risadas. Demonstrávamos superação de uma encrenca por brinquedos, socos, gritos e outras coisas de crianças. Se um de nós deixasse o outro cair no chão, todos teríamos sérios problemas.

Nunca acreditei em desculpas, tampouco encho a boca para falar no valor do perdão. Deixo a vida seguir, não toco mais no assunto, olho para frente e acho melhor assim. Herança da minha mãe, talvez. Ela valorizava mais a queda da confiança do que os pedidos chorosos e com culpa cristã. Dizia que falar a palavra “desculpa” era o pior aprendizado da infância, dali em diante passamos a agir sem pensar, com uma muleta escondida atrás da porta.

Talvez ela tenha um pouco de razão, mas sou cobrado pelos mais próximos a cada sopro de impaciência quando ouço a palavra mágica depois de uma mancada comigo, das mais fortes e memoráveis àquelas sem importância alguma. Nessas horas, tenho vontade de repetir o velho exercício da infância para testar o perdão alheio.

Já vi a queda da confiança em aulas de teatro, dinâmicas de grupo para processos seletivos e melhora no ambiente de trabalho, terapias de casal e até em um episódio da série O Mentalista. Patrick Jane, o protagonista e consultor da Agência de Investigação da Califórnia, usa a atividade para descobrir um assassino. Coisas da ficção.

Outro dia, me vi falando com quem me deu uma dessas porradas metafóricas da vida adulta. Ainda não cicatrizou. Se antes eu me jogaria para trás sem pestanejar caso tal pessoa estivesse pronta para me segurar, hoje não dispensaria um capacete, mesmo se a queda fosse para frente. Olharia com desconfiança para seus braços e já posicionaria os meus para me segurar do tombo.

Minha queda da confiança demonstraria uma queda na confiança entre nós. Há casos em que ela fortalece vínculos fortes demais. Em outros, é só uma tarefa burocrática, com pessoas obrigadas a finalizá-la para melhorar o ambiente corporativo ou doméstico, como na casa da infância.

No fundo, concordo com minha mãe. Jogar-se para trás e contar com braços para nos segurar tem mais valor, lúdico e prático, do que pedir desculpas da boca para fora.