A mentirosa do escritório

13 de março de 2023 1 Por Leandro Marçal

A fama se espalhou rapidamente pelos tantos setores da firma. E todo mundo percebeu seu vício em mentir. Gente educada diz que ela precisa de ajuda. Gente maliciosa ri pelos cantos, se cutuca com os cotovelos e destaca as versões contraditórias para um mesmo causo.

Cascateira, lendária, Forrest Gump da contabilidade, pescadora. Muitos apelidos maldosos foram usados para descrevê-la e ridicularizá-la. A mentirosa do escritório é uma excelente contadora. Tanto de histórias quanto no sentido contábil.

De uns tempos para cá, fica um climão quando ela também vai tomar um cafezinho. Mudam de assunto, com medo de virar personagem nos contos da ficcionista compulsiva, que puxa assunto, que fala da vida, que reinventa a família, que teoriza as notícias, que palpita sobre colegas do trabalho. E a gente aciona um filtro mental, com a quase certeza de que quase nada é verdade.

Quando comprei um carro, ela disse que o dono de uma montadora lhe vendeu pessoalmente um modelo raro, de colecionador. Teve a lenda do parentesco distante com a Fernanda Montenegro. Fora aquele almoço, todo mundo calado e ela falando que sua família é dona de uma emissora de televisão, mas nunca quis usufruir de seu privilégio e preferiu entregar currículos em escritórios entediantes.

Se percebo o vício da mentira, não consigo confiar em mais nada. Fico com pé atrás até ao ouvir bom dia. Daí em diante, julgo desabafos íntimos como lorotas e isso me faz mal, pesa na consciência. Nem sei se a culpa é minha e não duvido de um mecanismo de autodefesa. Mas cresce uma culpa talvez desnecessária.

Com a mentirosa do escritório não é diferente. Peguei o costume feio de conferir duas ou três vezes seus relatórios. Logo ela, sempre tão competente, sempre tão gentil ao repassar informações contábeis. E sempre tão mentirosa com suas histórias sem pé nem cabeça.

Para piorar, são invenções desnecessárias. Que atire a primeira pedra quem nunca precisou sonegar a verdade para escapar de uma punição, evitar problemas nas relações pessoais ou se manter no emprego. Mas criar contos estapafúrdios só para chamar atenção de ouvintes foge da minha compreensão. Não é o caso das crianças desenvolvendo a imaginação, essas eu entendo e aceito e incentivo as ficções.

Por um tempo, a mentirosa do escritório falava de uma tal operação, que lhe renderia a licença médica de três meses ou mais. Como ninguém é trouxa, ninguém acreditava. Até se ouvia falar em cretinice por inventar lendas sobre um problema de saúde sério, digno de intervenção cirúrgica.

Quando ela não apareceu no trabalho, ficamos preocupados. A moça do RH falou do afastamento temporário. Era verdade, a mentirosa do escritório foi para a faca e vai ficar uns três meses ou mais de molho.

Pelo WhatsApp, enviei mensagem desejando melhoras e uma pronta recuperação. Me dispus a ajudar no que fosse necessário, disse que estava à disposição se precisasse, ressaltei o tempo de amizade e falei que ela pode contar comigo. Menti, é claro.