Uma aldeia por criança
Voltando a pé para casa, uns cartazes colados no muro do colégio particular me chamaram atenção. Neles, tintas coloridas formavam mãos de crianças, figuras e fotografias completavam a decoração, a frase “paz nas escolas” estava escrita repetidas vezes em letras maiúsculas.
Dias depois, a sequência de stories no Instagram mostrava uma passeata nos arredores da creche da minha sobrinha, também pedindo paz no ambiente escolar. Mais alguns dias, resolvo umas coisas no centro da pseudocidade onde moro e volto por outro caminho. Vejo, do outro lado da rua, outros cartazes, outras mãozinhas, outras pinturas belas e infantis, também com o apelo por paz nas escolas.
Nos três casos, pensei num provérbio africano: “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. O ditado, que deveria ser bem mais popular, ensina que ninguém é capaz de aprender e se desenvolver conhecendo apenas os valores familiares. Somente o envolvimento de toda a sociedade pode fazer da educação o pontapé inicial para um lugar mais justo, especialmente para aqueles em começo de formação.
Também penso na frase de efeito pulando os muros da escola: quando convivo com mães sobrecarregadas, sozinhas e tirando energia sei lá de onde para oferecer o melhor às suas crias; quando o sonho de ser pai não conversa com o sonho de educar os filhos; quando reprogramamos a agenda, mudamos a rotina e revemos prioridades para buscar um pequeno ser vivo na creche ou levá-lo ao médico.
Se as terríveis notícias recentes de ataques a escolas nos pegaram no contrapé, é sinal de que a busca por um futuro melhor é tarefa coletiva. Isso passa pela educação, diriam uns. Também tem a ver com um olhar atento pelas criancinhas, completaria Pelé.
Ubuntu é outro termo africano, que alguns traduzem como “eu sou porque nós somos”. Quando olho para você, te enxergo como um igual. Não existe outro se nos encaramos feito semelhantes, com qualidades e defeitos, raridades e imperfeições. A criança perdida na rua não é problema das autoridades, é uma questão nossa. Um ambiente escolar pacífico não é obrigação apenas dos governantes, é tarefa coletiva, da sociedade suando sangue por acolhimento e integração.
Numa dessas caminhadas pelo centro, voltei a pensar na história da aldeia e da criança. Primeiro, me pareceu impossível mobilizar tanta gente para cada bacuri nascido, deixando a frase tão bonita quanto impraticável. Depois, caiu a grande ficha: quando a aldeia se enxerga como aldeia, e não como um aglomerado de gente sem conexão entre si, a missão de educar crianças tem mais chances de sucesso.