Um mendigo para animar o rolê
Acordei de ressaca, com preguiça de levantar da cama e um vazio no estômago maior que o existencial. Faltava vontade de ver o mundo. A folga semanal tem lá suas vantagens. Peguei o celular para acessar minhas redes sociais. 10 e pouco da manhã, sentia mais vontade de dormir, mas a insônia não me permitia por questões éticas.
Fui vendo as mensagens dispensáveis no WhatsApp, escolhi respondê-las mais tarde, quando tivesse paciência. Queria ver fotos, perder um pouco de tempo antes de sair e pensar no almoço. Vídeos de gente gritando para a câmera com um som alto e distorcido, baladas de braços acumulados filmando o palco, fotografias com copos cheios de bebidas que poderiam abastecer um carro popular.
Estranhei um grupo de amigos descolados. Estavam abraçados a um morador de rua. Na legenda, aquele era o melhor rolê de suas vidas. Seguravam um lanche. Aparentemente, fizeram uma boa ação para o desalmado sem residência. A turma é daquele tipo que se sente superior ao fim das bebedeiras por comprar lanches caros no lugar sinalizado com um “M” gigante e amarelo. Compraram um sanduíche a mais, talvez.
Passei mais algum tempo encarando a cena. Se o rolê não tiver sido grande coisa, devem pensar que ao menos têm a história do mendigo sorridente e banguela para animar a noitada. Pouco importa seu nome, história e motivos que o levaram a se cobrir com caixas de papelão, antes de ser expulso das marquises de lojas nas primeiras horas da manhã.
Se ele recusasse a aparecer naquela fotografia em busca de curtidas e emojis sorridentes, não teria sido alimentado com o hambúrguer amassado por pães, presos à caixinha quadrada branca e vermelha. O registro era uma prenda à Luciano Huck antes de entregar a chave da casa reformada.
Nos comentários, moças bonitas não questionavam os rapazes brancos com roupas que lhes custaram – ou aos seus pais – mais de três dígitos. Apenas riam, eles eram demais, um grupo divertido. Uma de suas bermudas valia mais que todo o dinheiro arrecadado pelo morador de rua fotografado pelos meninos animados.
Deviam estar dormindo, enquanto eu via uns e outros problemas naquele retrato. Chegaram em paz a suas casas, mesmo depois de tantas garrafas antes de dirigir, se alimentar, dar comida depois de fazer graça com o mendigo e entrar em seus apartamentos com porteiros em cabines trancafiadas.
Na semana seguinte, o grupo de amigos descolados deverá se perguntar, pouco antes da meia-noite, onde vão se apresentar com os baldes de garrafas caras, enquanto moças são fotografadas pela organização da balada da vez. No dia seguinte, o mendigo deverá correr atrás de algum meio de driblar a fome, perdendo dela, como de praxe.