Trocando livros
Queria ganhar o suficiente para pagar as contas do mês, sem ficar no vermelho. Não desejo fortunas para comprar carros de luxo e ostentar um carnê da casa própria. Baladas, roupas da moda e eventos sociais passam longe das despesas mensais. Dão lugar a livros, prioridade em minha lista de compras.
As próximas leituras estão em pé aguardando a vez em uma fila dinâmica. Nela, os primeiros e os últimos trocam de lugar sem regras específicas. Depende do que me aflige naqueles dias para eu tirar da estante um livro que não dava bola até a semana passada. Se os especialistas indicam reservar 30% do salário para garantir a futura estabilidade financeira, economizo para a literatura.
Quando descobri o setor de trocas do Skoob, pude ouvir o clássico “seus problemas acabaram” das Organizações Tabajara. Se não há saúde mental que sobreviva às redes sociais, conhecer uma na qual existe um esquema de envio e recebimento de livros desejados é o respiro necessário entre braçadas no mar de fezes que a sociedade nada nos últimos anos.
Por esse esquema de escambo literário, enviei 13 publicações lidas há tempos. Para cada uma, recebo um crédito que pode ser trocado pelo envio de um exemplar desejado por mim, vindo de outro usuário. Já usei toda essa “grana” completando minhas coletâneas dos romances da Clarice Lispector e do Daniel Galera. O conto da aia já furou fila e O tribunal da quinta-feira, do Michel Laub, voltou à mesa de trabalho como uma leitura de um passado recente no aguardo de uma visita futura. E representa muito o presente, recomendo.
Outro dia, um usuário dessa rede me chamou para combinar a troca de um livro de economia. Recebi o Memórias do Cárcere, do Graciliano Ramos, dias depois de encaminhar O capital no século XXI na agência dos Correios a algumas quadras de casa. Os atendentes já me conhecem: o homem calvo e sempre cansado, a moça loira ignorando a ignorância do público, a senhora prestes a se aposentar. Esta sempre me pergunta quais os livros da vez, se são os que escrevi ou se é o esquema de trocas que eu a expliquei como funciona. Ela sorri para mim ao me atender, diz sentir alegria ao ver jovens dando importância à leitura.
É tão automático para mim, nem sei porque o espanto. Nem sei porque me chama de jovem. Aliás, foi sua gentileza que me avisou sobre o registro módico e sua tarifa mais barata para enviar as páginas impressas, para outro estado ou cidades vizinhas.
Nunca vi as roupas ou o cabelo de quem recebeu meus livros. Jamais ouvi a voz das pessoas que enviaram meus pedidos nessa rede social. Mas eles me iludem. Me fazem pensar que não estou sozinho a cada linha percorrida, nas liquidações das livrarias, nos dias em que a literatura me salva desse mundo amargo.
Trocar livros me mostrou que as redes sociais podem proporcionar algo além do ódio, das fotos egocêntricas, dos vídeos de 15 segundos, dos textões desnecessários e assassinos da língua portuguesa. Um respiro.