Tempos extremos
Meses atrás, viajei 70 quilômetros em um ônibus de rodoviária sem conseguir dormir. Planejei descansar antes do processo seletivo importante, mas planos foram feitos para descumprir. Fui convidado para escrever a orelha de um livro e aquele era o melhor período para ler quieto, sozinho, sem interrupções.
A obra é centrada na experiência de um homossexual na cadeia. Por escolhas equivocadas, ele acabou encarcerado por pouco mais de três anos. Pensei nele nos últimos dias.
Nos últimos dias, pensei em muitas coisas. Na sensação de medo constante narrada pelo protagonista, contrariando os que pintam presídios como colônias de férias. A qualquer momento, uma traição, rebelião, assassinato, ameaça, epidemia, retaliações. Sem motivo, com motivo, não importa. Regras próprias, histórias horríveis, vida extrema.
Pensei nos filmes de guerra. Barulho de aviões, bombas a qualquer momento, alerta e reclusão para se proteger, escassez de comida e dignidade. A vida se desmanchando sob nossos pés e sobre nossas cabeças.
Pensei, ainda, nas comunidades mais pobres e violentas. Balas perdidas e achadas por crianças, a morte batendo à porta, o esgoto a céu aberto, o medo todos os dias. Medo da chuva, da polícia, dos bandidos, de milícias, de doenças, de perder o emprego que paga pouco, mas é o único possível.
Dá para pensar no medo da violência nesse país de violentos. Assaltos, sequestros, homicídios, brigas no trânsito. Realmente, dá medo.
Trabalho de casa desde antes dessa crise. Por opção dos poucos empregadores temporários em tempos de desemprego. Em tempos de extremo desemprego, incompetência e ignorância. A angústia de quem busca estar bem informado também é extrema.
Nos últimos dias, meus pensamentos andam difusos. À esquina, a morte, a escassez, um sentimento de estado de guerra e reclusão. Não sabemos quantos doentes haverá amanhã, quem precisará de hospitais, como estará nossa respiração ao acordarmos, quais pessoas amadas estarão por aqui depois do amanhã. Quando voltaremos a sair de casa, quando abraços e beijos deixarão de ser perigosos, quem chegará ao fim do ano.
Até quando esse governo de imbecis, suportado por imbecis, continuará brincando com vidas e negligenciando um país? A que lugar chegaremos, de que lugar eles vieram? Qual a asneira dita hoje, superada pela de amanhã, suplantada pela imbecilidade de depois de amanhã? Por que essas panelas não caíram de seus armários antes do caos alimentado em quase um ano e meio de descontrole irracional?
Por fim, penso que para muita gente os tempos sempre são extremos. E depois desses tempos extremos, seguirão vivendo seus tempos extremos, porque suas vidas são extremas. Na verdade, ligo a TV, trabalho no notebook e não sei o que pensar. E eu não segui adiante naquele processo seletivo importante. Devia ter descansado.
PS: O título da crônica é uma referência a um livro da Míriam Leitão. E faz mais sentido que em outros tempos.