Tem que aproveitar!
Queria chegar logo ao escritório. Havia passado os últimos dias em uma sala gelada, com o instrutor do curso obrigatório sendo testado pelos perguntadores profissionais, interessados em demonstrar mais inteligência que os colegas de empresa. O ar condicionado irritou minha garganta, o almoço tinha gosto de plástico, o edifício era suntuoso e sustentável, os cartazes de responsabilidade social estavam colados em todos os cantos. Eu morria de medo de ser transferido para aquele lugar estranho, mais longe de casa.
Na volta pela rodovia, o motorista não poderia ultrapassar o limite de velocidade estipulado, sob pena de denúncia nos canais internos. Ainda precisaria me apressar até o elevador de todos os dias, digitar o 13, entrar pela porta de vidro ao lado da copa, passar pela frente da porta do chefe, elogiar falsamente o aprendizado imaginário nos últimos dias, sentar na minha cadeira, observar meu papel de parede padronizado e a foto daquela viagem decorando a mesa, desconfiar de um possível uso do meu computador, ter medo de alguém passar minha caneca nas genitálias como vingança do relatório da semana anterior, limpar a caixa de e-mail antes de ir embora.
Senti vontade de ir ao banheiro. A van gastaria pouco mais de uma hora na rodovia até nos deixar no lugar onde bato o ponto diariamente. Estava apertado e isso não era pior que ouvir a conversas de veteranos de empresa nos bancos ao lado.
Percebi um volume maior de carros pouco à frente. Sento atrás do motorista desde que li uma estatística segundo a qual esse é o lugar mais seguro contra a morte em acidentes graves. O tempo previsto para a viagem foi gasto na lerdeza do anda-para-anda-para.
A impaciência tomou conta dos uniformizados ocupantes da van climatizada. Pescoços se moviam para tentar entender o motivo daquele trânsito incomum. Os amantes da chefia se preocupavam por demorar demais na volta a seus postos de serviço.
O homem de camisa laranja sinalizava um desvio e o burburinho diminuiu quando vimos a carreta tombada, próxima ao acostamento. Do lado de fora, uma mulher corria com um saco de papel nas mãos, até ser interpelada pelo gaiato sentado ao lado da janela.
– O caminhão com a carga de açúcar caiu ali, daqui a pouco não vai sobrar mais nada. Tem que aproveitar, moço!
A multidão já se aproximava da carga espalhada pela vala ao lado da pista. Mulheres uniformizadas, homens sem camisa, crianças sorrindo. O silêncio entre os colegas de trabalho era misterioso: não sei se compartilhavam minha incredulidade ou queriam descer e aproveitar. Viver custa caro.
Tentei encontrar a vítima do acidente, não o visualizei. Tampouco viaturas policiais ou pessoas se compadecendo pelo prejuízo na carga. Esqueci o escritório, as obrigações, a mesa. Corpo e mente entenderam que ir ao banheiro era irrelevante. Não pensava em mais nada além daquela mulher. Tem que aproveitar, sua voz ecoava. Ela se abaixava e recolhia o bilhete premiado. Cogitei perguntar aos colegas mais velhos o que ela seria capaz de ensinar aos filhos, se os tivesse. Não queria ouvir um julgamento de quem sempre culpa a periferia pelos incidentes e preferi me calar. Tem que aproveitar, repetia a mulher.
A van estacionou e o motorista me acordou do cochilo desconfortável. Fui o último a descer e o único a desejar-lhe um bom fim de semana. Quando bati o cartão ao ir embora, parei no bar e tomei duas cervejas. Era fim de expediente, eu tinha que aproveitar.