Seu nome?
Virou rotina a brincadeira em família. “Seu nome?”, pergunto à minha sobrinha. Ela me responde. “Seu nome todo?”, dobro a aposta. Em velocidade de locutora de rádio, a menina de quase três anos não gagueja e junta em voz alta as 31 letras que a identificam.
Se povoar o mundo já é um choque de realidade, batizar outro ser humano é uma grande responsabilidade. E nem falo no sentido religioso, mas no bom senso ao nomear gente. Se de uns anos para cá debatemos o bullying, na época de escola passamos por uma floresta de piadinhas, apelidos e rimas maldosas para tirar sarro de infelizes com nomes excêntricos.
Conheço uma pessoa que desencanou. Por décadas, se sentia constrangida em lugares públicos. Quando pediam para confirmar a alcunha diferentona, respirava fundo e soletrava sem paciência. “É assim mesmo que escreve?”, sempre vinha a pergunta incrédula. O tempo trouxe a sabedoria de se antecipar. “Nem preciso de apelido”, agora repete com riso amarelo, mesmo quando ninguém engasga ao perguntar se são dois Ys nos poucos metros quadrados do nome-xingamento.
Semana passada, me senti mal, envergonhado, quase culpado por motivos burocráticos. “Preciso confirmar contigo uma coisa: me soletra o teu nome, fiquei na dúvida”, disse quase pedindo desculpas. “Acho falta de educação a grafia errada, né?”, tentei mostrar respeito por aquela esquisitice, tirada sei lá de onde.
Na minha família, temos bichos com nome de gente. Não que a nossa gente trate bicho como se gente fosse, mas lhes tratamos bem. Tem gente que acha esquisito. Pessoalmente, acho estranho ver nomes brasileiros entupidos de Ks, Ws e Ys. Também me assusto com a livre adaptação ao importar estrangeirices. Parece mais chique a pronúncia de primeiro mundo. Quando o epíteto é composto de dois substantivos próprios que não combinam, balanço a cabeça para disfarçar.
“Não é possível que deram esse castigo pra criança”, já me peguei pensando, tentando antecipar apelidos, os suspiros e a irritação ao preencher uma ficha ou se apresentar em público. Sempre com o brinde da explicação desnecessária: “Minha mãe era fã de um ator famoso dos anos 1990, aí ficou essa homenagem”.
Quando eu era criança, tive uma pequena bronca com o meu nome. Me chamavam de Leonardo e repetiam um papo furado sobre a dupla sertaneja. Num curso de marketing pessoal, ensinaram que o correto é dizer “sou o Leandro” e não “me chamo Leandro”. Causa melhor impressão, diziam com ar de autoajuda.
Para mim, é só um nome. Sem me preocupar com numerologias, nem acreditar que a escolha no batismo possa interferir na personalidade. Para a minha sobrinha, o nome é uma brincadeira. Para muita gente, também, mas de mau gosto.
Meu pai se chama Irinaldo e minha mãe Maria Lucia. Ela ia colocar a combinação trágica Irilúcia para me nomear. Sorte que a Evinha lançou a música que me salvou desse nome.