Quando tudo estiver resolvido
Com palavras preocupadas, o Tom se martirizava por beirar os trinta e poucos sem ter a vida resolvida. Me bateu uma dúvida. “Como assim, ter a vida resolvida?”, perguntei com sincera curiosidade. “Ter a vida resolvida, pô. Nessa idade e não constituí família, nem comprei uma casa, não deixei um legado… Tô cheio de problemas e nada de estabilidade”, me respondeu sem perder o ar de aflição.
O Tom é um cara engraçado. Cogitei pedir calma, porque a vida só estará resolvida quando estivermos debaixo da terra, quando estivermos cremados dentro de um pote. Pensando bem, mesmo depois disso ainda deixaremos pegadas pelo caminho. Lembrarão histórias, temperando-as com sentimentos variados, reinventando nossos dias com a manipulação da memória, sem chance de uma defesa justa. É, a vida nunca estará resolvida. Podemos ainda deixar bons problemas de herança para as pessoas mais queridas enquanto dormimos para não acordar mais.
Tudo muda o tempo todo e a estabilidade é só uma crença ilusória de quem não pode controlar quase nada ao redor. As coisas não serão assim, como estão hoje, para sempre. Os problemas se alteram, as soluções também. E o Tom continuava choramingando por não ter um carro do ano, uma mulher que o valorizasse e um emprego que lhe permitisse viajar nas férias, sem se preocupar com custos, e-mails e reuniões.
“Tom, só tem duas coisas que importam na vida, só duas: comer bem e dar risada. O resto vem daí: uma vida confortável, sem passar aperto, é comer bem. Ter saúde é dar risada. Gozar, claro, é dar risada, esse nome não é à toa. Transar? É comer bem, claro. E dar risada, também, por que não? Se você tá comendo bem e dando risada, não tem porque se preocupar. As coisas vão sendo”, eu disse aos risos, tentando animar a conversa com aquele homem angustiado.
E o seu monólogo prosseguia, me atualizando sobre quem dos tempos do colégio financiou a casa própria, casou com o grande amor da vida e já vê os filhos crescendo. Uns poucos se deram muito bem e passaram em concursos públicos de dar inveja. Eu falava sozinho, me sentia o padre no confessionário, prestes a anunciar a penitência pelo seu pecado de não ter a vida dos comerciais de margarina. Para o Tom, o agora não passa de um período de treinamento até a vinda do Jesus das realizações plenas, como se a vida real não estivesse acontecendo a cada segundo.
O papo sobre sucesso, conquistas, motivação e legado foi me cansando. Minha vontade era ir embora correndo, mas fazia um bom tempo que não parava para conversar com o Tom. Ele me sugeria buscar um propósito, não me acomodar, essas coisas. “Porque a tua hora vai chegar, a nossa hora vai chegar, cara”, conclamava.
Dei uma desculpa para ir embora, precisava trabalhar bem cedo no dia seguinte. O Tom sugeriu bebermos mais cerveja, sem hora para sair do bar, num outro dia. “Claro! Agora ando meio corrido com umas pendências, mas quando tudo estiver resolvido a gente volta a ter um bom papo como o de hoje”, respondi com serenidade e cinismo. O Tom fez questão de dividir a conta igualmente em duas partes, até nos centavos.