Qualquer Bairro News
Há muitas formas de espalhar desinformação. Aplicadas diariamente num mundo hiperconectado, com tanta superficialidade virtual, causam estragos irreparáveis, manipulando desavisados cheios de si, cheios de ódio.
Conheço uma bem simples, que se multiplica onde moro e nas cidades vizinhas. Basta criar uma página no Facebook com o nome Qualquer Bairro News. Seu falso propósito é trazer as notícias da quebrada, distrito, povoado, porção de território, região autointitulada metropolitana, cobrindo o que a imprensa tradicional não mostra. Tudo que a mídia malvadona tenta esconder, dizem no slogan.
Buracos na rua, pedidos de doação de sangue e dinheiro, imagens de criancinhas desaparecidas. Conteúdos diversos e nem sempre de bom senso viram publicações nesse tipo de página. Em tempos de ataques diários ao jornalismo profissional – com seus erros e acertos – soa caricato ver essas páginas apócrifas tentando se passar por veículos de imprensa sérios, com o mínimo de credibilidade desejada. O modelo Qualquer Bairro News também pode aparecer com outros nomes: Vivendo em Tal Cidade, Lugarejo Mil Grau, Eu Amo o Município X, entre outros.
Do lado de lá da tela, administradores cretinos posam de justiceiros, compartilhando acusações de roubos, estupros e outros crimes. Nem precisa ter denúncia ou inquérito policial, tampouco um mínimo compromisso com a verdade ou direito à defesa. Quando me deparo com essas páginas, lembro Fabiane, espancada até à morte depois de ser julgada como bruxa, em pleno século 21, por uma dessas páginas. Claro, depois da tragédia, ninguém quis assumir a responsabilidade.
Outro dia, fui bloqueado em uma Qualquer Página Desinformativa News por cobrar critérios na nota sobre um suicídio cometido aqui perto. Chegaram a publicar o endereço e o método da autoexecução, numa exposição gratuita e criminosa, como de praxe.
Por trás de cada página prestadora de desserviços locais, há inúmeros moderadores dispostos a conseguir seu carguinho na administração pública da cidade. A postura de denúncias das mazelas vira pretexto para conseguir um lugar ao sol, na prefeitura ou na câmara, com bons salários.
Confesso, para conseguir uns trocados, já me passei por cliente satisfeito com uma lanchonete. Escrevi um relato falso, publicado sem nenhuma análise séria numa página dispensável dessas. Coisas da Publicidade, paciência. Deu cliques e impulsionou as vendas, me disseram.
Se me marcam numa postagem de um desses perfis, me sinto mal. Já não perco mais tempo alertando sobre a irresponsabilidade dessas Qualquer Bairro News e sua falta de compromisso com informação de qualidade. Elas sequer sabem o que é isso. Volta e meia, praticam atentados violentos à Língua Portuguesa sem o menor constrangimento. De uns tempos para cá, reparei que algumas passaram a dar créditos a veículos de comunicação sérios. Para se fingirem sérios, suponho.
No final das contas, páginas de Facebook do tipo Notícias da Minha Cidade são tão perigosas quanto reacionários embrutecidos publicando campanhas antivacina no WhatsApp. Sem saber o significado real de fake news, também disseminam esse tipo de conteúdo diariamente, com muito alcance e à vista de todos.
O mundo anda ignorante e orgulhoso da burrice. Presencial e virtualmente. No meu bairro e no seu. São tempos estranhos.
São tempos exaustivos. O desleixo e a cretinice como certificado de qualidade para alguns. Texto original.