Piadas de chefe
Vindo para o serviço, notei alegria no semblante de boa parte dos passageiros do mesmo ônibus de todos os dias. Devia ser o ânimo das sextas-feiras. Às segundas, nos sentimos proibidos de ser felizes.
Sentado, vi a imagem de um consagrado ator barbudo no grupo de WhatsApp dos amigos de infância. Na legenda: “sextou”. Sou do tempo em que sempre conjugavam os verbos, nunca os dias da semana. Não entendi a graça pela conhecida dependência química do artista.
No chatíssimo grupo dos ex-colegas da faculdade, o mesmo ator é colocado ao lado do comentarista de futebol e do famoso ex-integrante de banda adolescente. Para criar expectativa com o fim de semana, o vício em cocaína é a mensagem subliminar no abraço dos três. É só uma piada, dizem os bem-humorados.
Troco a rede social de mensagens instantâneas pela das fotos. Nela, lições de moral dividem espaço com trocadilhos sofríveis sobre estupro, diante de uma forte acusação contra um midiático jogador de futebol. Referências ao caso são a anedota de incentivo para “partir para cima” nas baladas de sábado, antes de encher a cara e dirigir de volta para casa. Não dou risadas, não comento, não reajo.
Tive a mesma sensação de quando me vi em uma sala com ar condicionado, slides e organogramas sonolentos. Durante a apresentação, o chefe soltava suas tentativas de tiradas bem-humoradas. O silêncio ensurdecedor gerou constrangimento. Com medo de perder o emprego, houve quem forçasse o riso, sem sucesso. Mostrei um semblante sério. Quanto mais demorava a apresentação de índices e metas, pior ficava minha saúde mental.
Depois do encerramento, colegas de andar pediram que, da próxima ve, eu fosse um pouco mais político e mostrasse os dentes só um pouquinho. Para evitar climão. Meu café saiu da máquina e expus minha fraqueza: a incapacidade de rir quando não acho graça.
Já fui chamado de chato, arrogante, ranzinza. Na verdade, sou vítima da total falta de talento para atuar. Se rio por fora, certamente estou gargalhando por dentro.
Gosto de bom humor, comédias são levadas a sério por mim, rir é meu melhor placebo. Mas não sei onde está a piada em uma mulher pelada, por exemplo. Gosto de ter momentos de intimidade com mulheres sem roupa, mas não acho isso engraçado. Daí minha total incompreensão com o artifício da nudez gratuita em programas humorísticos. Sinto como se risse de alguém tirando o tênis e deixando-o ao lado da porta da sala. Desconheço qualquer tirada envolvendo tênis descansando ao lado da porta da sala.
Senti vontade de pedir desculpas por não rir quando apelidaram um amigo negro como carvãozinho. Fico impassível quando a graça precisa da humilhação de judeus, umbandistas ou seguidores de outras religiões discriminadas. Não sou capaz de erguer os cantos dos lábios ao me deparar com o rebaixamento de homossexuais e mulheres. Tampouco sou desses que já abrem um sorriso ao ouvir palavras-chave como peito, bunda, cu, boceta ou piroca.
Pode ser que tenham um pouco de razão quando me chamam de chato, arrogante, ranzinza. Futuramente, não duvido que haja uma punição por parte do meu chefe, impedindo minha promoção pelo baixo desempenho em gargalhadas nas reuniões. Ainda não entendi bem qual a sacada dos chistes com gente morta tragicamente, dos trocadilhos em que proferir crimes previstos no Código Penal são “só uma piada” ou coisa parecida.
Desliguei a internet do celular. Antes de descer do ônibus, acenei para um bebê sentado em um dos bancos, que sorria para mim. Eu sorri de volta. Foi por um bom motivo.