Pequenos ditadores
Os funcionários do bar falido reclamavam do meu ex-sócio às escondidas. Antes de roubar o dinheiro do caixa e fugir para uma vida de luxo no exterior, me deixando zerado e cheio de processos para responder na justiça, o cretino do Luís Andrade se recusava a lavar a louça nos dias de maior movimento.
Nós temos que dar o exemplo, eu dizia, mas ele se esquivava e largava os pratos da janta antes de abrirmos o estabelecimento para o público. Pelas minhas costas, reclamava. Chefes não devem sujar as mãos com esponja e água, dizia. Com pouco tempo de sociedade, os sinais já eram claros: aquilo não daria certo.
O Luís Andrade se mostrou um dos odiosos pequenos ditadores do cotidiano. Quando têm às mãos um poder mínimo, os animais desta espécie longe da extinção fazem o possível para perturbar subordinados, comer o juízo alheio e se mostrar superiores, mesmo artificializados por um degrau a mais de uma escada inútil, ou mesmo imaginária.
É impossível fugir dos pequenos ditadores. Eles estão ao nosso redor, o tempo todo. No trânsito, se manifestam diariamente, comportando-se como bestas selvagens, dispostas a passar por cima de animais inferiores na cadeia alimentar. Caminhões e ônibus massacram carros, que massacram motos, que massacram bicicletas, que massacram pedestres, que não se sentem seguros na faixa branca dedicada a atravessar ruas e avenidas movimentadas.
Pequenos ditadores se sentem no direito de subjugar cônjuges, como se fossem proprietários e proprietárias dos seus ditos amores. Controlam mensagens enviadas e recebidas, não permitem opiniões livres e esquecem que, na essência, somos seres individuais. Freud explica essa fissura pelo poder mínimo e mesquinho, talvez por algum problema com o tamanho dos órgãos íntimos.
Nos tempos do bar, a cada louça não lavada, minha intuição vislumbrava no Luís Andrade uma ânsia pelo poder que eu relutava em acreditar. Como todo pequeno ditador, hoje ele usa as redes sociais para demonstrar que é o melhor em tudo, baseando-se nos bens materiais conquistados com o suor alheio. Nas terras onde pisa, tudo dá, mesmo que à base da crocodilagem, mesmo prejudicando quem já chamou de irmão.
Pequenos ditadores mentem. Mentem muito, sem pudor.
Desculpem-me por ser o portador das más notícias, mas existem pequenos ditadores na sua família e talvez até dentro da sua casa. No trabalho, é quase uma certeza. Pequenos ditadores estão aí, ao seu redor, o tempo todo.
Não admitem lavar a louça, não param no sinal vermelho, dão ordens absurdas, fiscalizam o celular de cônjuges, impedem a livre expressão de ideias, atormentam o bom senso. Não ganham absolutamente nada com isso, mas gozam quando gritam, sentem prazer quando mandam.
Sejamos democratas do cotidiano.
Realista e necessário. Não podemos normatizar este comportamento.