Ovo de avestruz

1 de julho de 2024 0 Por Leandro Marçal

Diz a anedota: o ovo da avestruz equivale a uns vinte ovos de galinha. O gosto é parecido e a clara é bem amarelada. Tem sabor mais amanteigado, doce, forte e intenso. Apesar desse currículo, a avestruz não grita, nem cacareja.

Não se espante ao ver profissionais do marketing, e mesmo coaches, usando a historieta para falar do ovo da galinha como “case de sucesso” (eca!) para o marketing pessoal. E fala-se assim mesmo: a avestruz. Nada de avestruz-fêmea, avestriz ou avestruza. Parece caricato, soa esdrúxulo. Mas é verdade.

Andei pensando nessa parábola meia-boca nos últimos dias. Volta e meia, tem quem me bombardeie com dicas infalíveis para mais gente ler as besteiras que escrevo. Preciso dar muitas entrevistas, tenho que investir em vídeos, devo pensar com carinho em estratégias para meus textos se espalharem pelos cantos desse país pouco letrado. Nada de vergonha ou pudor ao me postar na frente das câmeras, nem que seja para opinar sobre infinitos assuntos, deixando considerações sobre irrelevantes “trends” diárias.

Volta e meia, me espanto com um perfil comum: o escritor que prefere ser visto a ser lido. Sua performance em público não perde em nada para as dancinhas do TikTok. Daria um braço para recitar seus textos em voz alta nos eventos literários (ler não: interpretar), mas não cortaria a unha do mindinho para dar atenção à obra alheia. Passa horas falando de si, de seus prêmios, referências e menções; mal perde uns segundos conversando, com a humildade de ouvir além de falar, sobre o texto puro e simples com seus caminhos e descaminhos. Ama nebulosas academias de letras, despreza revisões e leituras críticas daquilo que escreveu.

Já fui acusado de não saber me vender. Que bom. Digo mais: que ótimo! Lembra aquela outra anedota, do escorpião e do sapo? Acho que minha natureza está mais para ovo de avestruz, passo longe de ser ovo de galinha. Não que a minha clara seja mais amarelada, ou que eu tenha gosto mais amanteigado, doce, forte e intenso. Só não sei cacarejar.

Tenho medo dos gritos com som de vulgaridade e ritmo de vaidade. Beleza, também quero ver meus escritos chegando longe. Fico feliz quando comentam sobre essas ideias que saíram da minha pequena cabeça para parágrafos supostamente organizados. Me esforço na divulgação por e-mail, redes sociais, aviso aqui e ali, peço humildemente sua leitura. Sem gritar, sem apelar, sem cacarejar. Posso não saber me vender, mas tenho sangue nas veias.

É fácil encontrar ovos de galinha: na feira, no mercado, na quitanda. Tem até delivery aqui no bairro. Gritar, berrar, apelar e cacarejar dá resultado. Mas o ovo de avestruz tem seu valor. E é mais saboroso (e amanteigado, e doce, e forte, e intenso).