O trabalho de casa

2 de setembro de 2024 2 Por Leandro Marçal

Demorei um tempinho para explicar aos meus pais a natureza do meu trabalho. Pensando bem, é estranho passar umas horas na frente da tela de um computador, pesquisando e organizando palavras em parágrafos iguais a este como forma de sustento. Não aperto um parafuso, não produzo algo palpável. Quando encontram amigos e familiares, dizem que ganho a vida escrevendo. Não deixa de ser verdade. Pouco importa o quê ou para quem, importa responder de bate-pronto: ele escreve umas coisas por aí.

Preciso virar uma chave mental nas primeiras horas do dia. Levantar, escovar os dentes, tomar banho, trocar de roupa, tomar café, ter o quarto-escritório arrumado. Até invejo quem levanta da cama 10 minutos antes de começar o expediente, mas temo pela saúde mental dessa gente corajosa.

O trabalho remoto (mais legal de falar que home office, convenhamos) exige concentração e organização. Me considero privilegiado por essa possibilidade. Tenho um espaço adequado e mais qualidade de vida que em outros tempos. Ajuda bastante o meu entorno com crianças e adultos que entendem a natureza desse estranho ofício.

Sei que para algumas pessoas a ideia de cumprir expediente sem nem pisar na calçada é esquisitíssima. Se demorei um tempinho para explicar aos meus pais, foi ainda mais complicado convencer visitas que não estava me distraindo, mas trabalhando. Gente querida de tantos anos me via como se brincasse no computador.

Quando olho ao redor, entendo essa lógica distorcida. Entender não é concordar, obviamente. Quantos amigos e parentes veem o trabalho doméstico como algo menor? Para eles, cuidar da rotina da casa ou apartamento, olhando pela limpeza, logística, organização, alimentação e compras é muito simples, é inferior, por isso deixam as mulheres se virarem sozinhas. Se não enxergam os cuidados com a casa como trabalhos, por que veriam no meu trabalho em casa um trabalho-trabalho?

Para quem se sente no direito de chegar do emprego, sentar no sofá, ligar a televisão e reclamar se a companheira (que também chegou do emprego) não fez comida, não limpou a casa, não deu banho nas crianças, não lavou e passou as roupas, nem fez outras mil coisas, deve parecer lógico que o meu trabalho não me dá trabalho. Quando muito, esses amigos e parentes se sentem grandes filantropos porque lavam a louça, porque “ajudam” nos afazeres do lar.

Qualquer trabalho de casa é tão trabalho quanto o trabalho lá fora.