O tempo e o tempo
Você publica uma foto no Instagram. Escolheu a mais bonita na galeria do celular, num bom ângulo, sem parecer muito pretensioso, nem exibir falsa modéstia. Escreveu uma legenda simples, sem breguices espirituosas. Olha a tela, espera reações. Curtidas, comentários. Dela. E também daquela outra. Não ficará surpreso com zoações de amigos e elogios de familiares. Larga o celular. Quer esperar uns cinco minutos. Espera dois. Mira a tela outra vez. Só mais uma curtida da ex-colega de trabalho. Respira fundo. Encara a tela de novo. Larga o celular. Desiste. Depois desiste de desistir.
Você se recupera de uma cirurgia de média complexidade. São poucos riscos, disse aos familiares. Mas toda cirurgia tem riscos, lhe disse o médico. Olha o teto, espera o horário de visitas. Está grogue, não pode levantar. A enfermeira aparece, mede a pressão, dá um remédio. Vê se tenta dormir, ela recomenda. A hora não passa, você resmunga. Relaxa e descansa, ela sugere antes de sair do quarto.
Você acelera e fura o sinal vermelho. Está atrasado. Talvez a pedestre meio assustada na beira da calçada também estivesse, mas não é problema seu. Corta um carro, corta outro. Xinga o motoqueiro, sempre os motoqueiros. Come faixa, fura outro sinal. Que merda de trânsito, retruca. Quando chega, não tem certeza se a correria lhe rendeu cinco minutos ou trinta segundos.
Você completa os seis quilômetros da corrida de rua. Está suado, cansado e com a mente arejada. Olha para o relógio: 35 minutos e meio de exercício. Dali até sua casa, mais 15 minutos de caminhada. Mas parece que os primeiros passos rápidos na areia da praia aconteceram há mais de três horas.
Você não para de conferir o status no aplicativo, mas a previsão de entrega da comida é de até 60 minutos e não passaram nem 20. Você brinca com a sua filha num jogo de tabuleiro por duas horas e meia. Você acelera o áudio enviado pelo amigo inconveniente contando vantagem sobre casos amorosos. Você não tem tempo livre para ler. Você emenda cinco episódios da série recém-lançada. Você gasta dias de conversa até marcar um encontro. Você tenta não ser rápido demais no sexo. Você se atrasa de propósito para não ser o primeiro a chegar na festa. Você odeia ser o último a sair do escritório. Você sonha em chegar logo à maioridade. Você reclama dessa geração apressada. Você espera uma resposta rápida para aquela mensagem já visualizada. Você pede que respeitem seu espaço. Você está cheio de tarefas e se compromete com mais uma. Você promete que ainda vai desacelerar um pouco.
Eu respiro pelo nariz e conto de um a cinco. Solto o ar pela boca e conto de um a cinco. Estou deitado, de olhos fechados, controlo a respiração, espero o sono chegar. Não quero pensar em nada.
Perfeito. É sobre.