O colecionador de frustrações
Sou colecionador de frustrações. Se antes elas ficavam enfileiradas nas estantes da sala, simulando troféus dedicados aos constantes fracassos, hoje se acumulam em gavetas empoeiradas à espera da visita de um pano com lustra-móveis, abertas apenas na chegada de novas moradoras.
— Seja bem-vinda. Daquele lado estão as frustrações mais antigas. Fica pra cá, perto das recentes, elas te explicam o que rolou até agora. Mas não se ilude, você é só mais uma e a lista não para de crescer, viu? — digo sem emoção na voz.
Quando descobri que posso errar, passei a lidar melhor com a estranha coleção. Conheço gente desse mesmo clube com vergonha de admitir que empilha frustrações, sentindo-se acumuladores compulsivos. Comigo é diferente, não trato a coleção como mero hobby. Levo a sério, muito a sério.
E acho divertido, embora melancólico, receber contato da tribo distante dos colecionadores de sucessos. Esse grupo costuma vomitar êxitos o mais alto possível, para que sejam ouvidos em grupos familiares, amorosos e de amigos, principalmente os virtuais. Ao se depararem com um fracasso estrondoso, não sabem como agir. A decepção não cabe nos quadros gigantescos e muito bem expostos de vitórias estampadas em vitrines. Como a derrota da vez é impossível de ser escondida, tentam me convencer a guardá-la comigo. Sem sucesso, não aumentam sua coleção com minha ajuda.
— Fica com isso aqui, cara. Você vai saber cuidar dela muito melhor do que eu, né?
Prontamente, me sinto na obrigação de recusar a proposta indecente.
— Infelizmente, não posso. Só coleciono as minhas frustrações. Essa aí é sua, quem tem que se virar com ela não sou eu. Desculpa a grosseria, mas você precisa arrumar um lugar pra ela e eu não posso te ajudar.
Na maioria dos casos, a decepção é escondida embaixo de algum tapete. Otimistas em excesso e adeptos da positividade extrema são os que mais se atrapalham na hora de encontrar o lugar adequado para arquivar os tropeços indesejáveis.
É possível que minha coleção de frustrações seja também consequência de bastante organização. Gosto de deixar as coisas em seus devidos lugares e meu cérebro entra em pane quando alguém desarruma os ambientes. Fico perdido, tateando no escuro. Talvez eu seja o tipo de gente com ânsia de manter as coisas sob impossível controle.
Outro dia, disseram que o fracasso me subiu à cabeça. Pode até ser verdade, não tenho tanta certeza. De tão habituado com essa rotina previsível de frustrações periódicas, já não sei mais como agir se as coisas dão certo. Sei que as decepções aparecem cedo ou tarde, até minha última respiração ou mesmo depois dela, quando coleções já não farão diferença.
Tento não pensar nisso, minhas gavetas estão com pouco espaço.