Não lidas

25 de março de 2024 2 Por Leandro Marçal

Demos “match” num desses aplicativos, você sabe quais. Me agradou a combinação de fotos com autodescrição curta, sem se levar tanto a sério, sem a ridícula pretensão de ter mais bom humor que o bom humor, sem um textão com exigências que mais parecem listas de compras. Junte a isso a arroba do perfil nas redes sociais, para um cara tão desconfiado como eu conferir a possibilidade de real existência ou mero chamariz para vender jogos de azar ou pornografia (acontece muito!), e pronto. Demos “match” e me envaideci, porque era muita areia para o meu caminhãozinho cheio de defeitos.

Puxei aqueles protocolares assuntos de sempre: oi, tudo bem?, quantos anos?, de onde é?, o que faz da vida? E segui a tal arroba indicada no perfil. Conversamos brevemente, falei o que faço da vida, perguntei qual a boa do fim de semana. Recebi elogios numa foto de tempos atrás, devolvi adjetivos numa e noutra publicação, trocamos os números de WhatsApp para continuar o papo, de preferência para aprofundar o papo com mais adjetivos e horários e fotos. Nunca se sabe.

No primeiro dia, achei normal a demora pelas respostas às minhas mensagens. Rotinas diferentes e horários malucos num mundo louco precisam ser levados em conta. Não sou tão importante assim e não posso exigir nada de quem nunca nem vi pessoalmente.

No segundo dia, as respostas rarearam um pouco mais. A demora aumentou, as palavras diminuíram. Me incomodei um pouco com os dois risquinhos das mensagens enviadas sem sair do cinza, mas lembrei que muitas pessoas se preservam e não permitem que os risquinhos de mensagens lidas fiquem azuis. Durante uma reunião de trabalho, não parava de olhar para o celular. Internamente, tinha coisa mais importante para me preocupar.

No terceiro dia, não recebi respostas. E o meu incômodo aumentou quando percebi que todos os meus stories no Instagram eram visualizados religiosamente. Se você vê as minhas bobagens daqui, por que não me responde lá?, pensei. Mandei mais mensagens pelo WhatsApp, que se encavalaram nas outras mensagens não respondidas e talvez nem lidas também no WhatsApp, o que me deixou aflito e com baixa autoestima por pensar que realmente era muita areia para o meu caminhãozinho e aquela euforia na hora do “match” não passava de autoengano.

No quarto dia, lembrei as tantas vezes que falei em “comunicação assíncrona” quando demorei a responder pessoas importantes sobre assuntos importantes.

No quinto dia, me culpei por voltar a encavalar mensagens sem respostas e talvez sem leitura no WhatsApp. Meus stories continuavam com a audiência desejada no Instagram e como sou precavido fiz exercícios da psicoterapia para diminuir, ou tentar diminuir, ou pelo menos lidar melhor com crises de ansiedade nascidas sem sentido, sabendo que crises de ansiedade não precisam ter sentido.

No sexto dia, conversei comigo mesmo e entendi que não tinha motivos para voltar àquela conversa e conferir uma possível atualização. As notificações do celular fariam esse serviço por mim. Mas voltei àquela conversa. E mais de uma vez. E mais de duas vezes. E mais de dez vezes, é claro.

Na segunda semana, prometi que não enviaria mais bom dia, nem boa tarde, nem boa noite. Não repetiria os últimos sei lá quantos dias seguidos sem resposta. Na terceira semana, refiz a promessa descumprida três vezes. Ou quatro. Ou cinco. Ou mais de dez. E desinstalei o aplicativo, você sabe qual.