Naming rights

16 de setembro de 2024 1 Por Leandro Marçal

Sempre arrumamos desculpas para citar gente admirada. Nas artes, especialmente, isso é bem comum. Falamos daquela cantora, daquele escritor, de atores e atrizes que amamos.

Também sou assim. Volta e meia, cito o falecido David Foster Wallace, o DFW para os falsos íntimos. Em seu mirabolante livro Graça Infinita, os anos não são identificados por números, mas por marcas: Ano do Emplastro Medicinal Tucks, Ano do Chocolate Dove Tamanho-Boquinha, Ano do Frango-Maravilha Perdue, Ano da Fralda Geriátrica Depend, Ano do Lava-louças Quietinho Maytag.

Penso no Graça Infinita quando pingam notícias sobre naming rights. Em resumo, essa é a prática de nomear eventos ou espaços físicos com marcas publicitárias para aumentar sua projeção. E os lucros, é claro.

Eu, que já acho feio demais chamar de arena um estádio de futebol, estranho ao ouvir o meu time jogando no Estádio do Wafer Coberto com Chocolate. Na mesma cidade, existe a Arena da Seguradora e a Arena da Farmacêutica. Outro dia, fiquei espantado ao saber que na cidade ao lado da minha um monumento esportivo será rebatizado como o Estádio da Casa de Apostas.

Parece um caminho fácil dizer que DFW foi visionário no livro com mais de mil páginas. Prefiro pensar que, mesmo tão conectadas a seu tempo, algumas obras artísticas seguem relevantes por anos, décadas, séculos.

Se você percorre São Paulo de metrô, já deve ter embarcado ou descido na Estação do Mercado Atacadista, na Estação da Loja de Roupas Sem Estampa e na Estação da Farmácia Especializada em Medicamentos Genéricos. Para desespero da gente de bom senso, a promessa é de vender mais.

Eu sei, eu sei. Todo mundo tem contas a pagar. Cada dia fica mais difícil não terminar os meses no vermelho, seja para pessoas físicas ou para os CNPJs pseudomoderninhos.

Mas é esquisitíssimo ver a figura histórica do meu time de futebol dando lugar a um doce. Ou o nome do bairro de uma estação, que ajuda a me localizar melhor, substituído por quem tenta me vender camisas descartáveis.

Tudo pode ser vendido. Quem me garante que amanhã ou depois eu não passe a morar na Cidade do Iogurte para a Flora Intestinal? Imagine as campanhas de conscientização contra doenças diversas dando lugar ao Mês do Ansiolítico ou Mês do Chazinho contra a Disfunção Erétil. Por que não?

Garanto a você, caro leitor e rara leitora, que não pretendo rebatizar este blog como Tirei um Desodorante 24h da Gaveta. Nem pretendo ser chamado de Leandro do Banco com as Melhores Taxas de Financiamento Habitacional Marçal. Nem tudo está à venda, mas nem todo mundo concorda comigo.