Meu portfólio

24 de março de 2025 0 Por Leandro Marçal

Num mercado de trabalho tão pejotizado, é arriscado passar muitos dias sem zapear nos sites de vagas. Na vida de freelancer, é prudente mirar novos trampos. (Eu falo “trampo” desde sempre. Colegas de profissão achavam moderno dizer “job”, mas a expressão ganhou conotação sexual e a galera não quer ser confundida, mesmo que “prostituto do texto” não seja uma má definição para explicar o ofício que me paga as contas).

Em todos esses anos nessa indústria vital, me recomendam encorpar o portfólio. Deixá-lo mais atrativo, mais chamativo. Mostrar meus textos e roteiros circulando pelas ruas. Como escritor fantasma, volta e meia assino contratos de confidencialidade. E já me pagaram bem por uns projetos não muito enobrecedores. Mas posso tentar, não custa tentar, um bom portfólio faz diferença.

Investi do meu bolso para publicar o primeiro livro. Anos depois do lançamento, entrei em contato com a editora para imprimir mais exemplares. Achei esquisita a demora no retorno, meu antigo editor não estava mais por lá. Nem ninguém, a editora “encerrou suas atividades”.

Bola para frente. Não vou repetir o discurso de “como é difícil ser empreendedor no Brasil”, mas trabalhar com livros num país que pouco lê é dureza, mesmo.

Na segunda obra, tive direito a reimpressão e poderia ter uma trajetória diferente da primeira. Também se esgotou, como a minha modesta estreia. Passado um tempo, não conseguia acessar o site da editora. Achei ligeiramente amador que perdessem o domínio do portal de vendas. Fui o último a saber, pela postagem de um ex-funcionário, que ela também fechou as portas. Faz parte, é do jogo.

Já o terceiro livro é o relato pessoal de uma falência. Financeira, psicológica, de amizades. Uma publicação independente, que repercute no meu entorno até hoje.

No quarto livro, a editora investiu em mim. Bancou a publicação, teve uma troca de ideias próxima e honesta, esteve comigo em todas as etapas. Nunca tinha visto de perto um trabalho tão atento e preocupado. Agora em março, deu uma pausa nos trabalhos, sem data para voltar.

Tive outros feitos na carreira literária: me convidaram para um lançamento, o evento foi movimentado, cheio de gente bacana, mas o livro ainda não tinha chegado da gráfica, e voltei para casa só com o cartão transporte na mão e álcool no sangue. E não tem como esquecer o dia que cheguei um pouco atrasado em outro lançamento, mas fiquei tranquilo porque nem o autor apareceu e me senti protagonizando uma sitcom de baixo orçamento.

Com um portfólio desses, falindo editoras e indo a eventos exóticos, você não me contrataria?