Meu Amigo Imaginário

30 de setembro de 2024 1 Por Leandro Marçal

Muitas crianças têm amigos imaginários. Eu também tive um. E nem era mais criança.

O vínculo com o Meu Amigo Imaginário começou por acaso. Depois de um convívio protocolar, nos aproximamos. Descobrimos afinidades, gostos e ódios em comum. Falávamos mal das mesmas pessoas, aumentando os laços.

Viramos, por assim dizer, íntimos. Confidentes. Uma antiga namorada me foi apresentada pelo Meu Amigo Imaginário. Mexi no tabuleiro do mundo corporativo para garantir um emprego em tempos de vacas magras para o Meu Amigo Imaginário.

Onde um ia, o outro também estava. Como uma dupla de super-heróis. Não existia vaidade nessa ligação quase siamesa. Nos intitulávamos irmãos de mães diferentes. Dinheiro, emprego, família, relacionamentos. Qualquer assunto era motivação para nos ajudarmos. Sem segredos, nem constrangimento.

Como não poderia deixar de ser, ouvíamos piadinhas de quem sentia certa inveja e ciúme dessa amizade. Éramos mais que amigos, diziam uns. Tem coisa aí, acusavam outros. Pura bobagem de quem não enxerga beleza nos bons vínculos fraternos, mesmo sem laços sanguíneos.

Confiei bastante no Meu Amigo Imaginário. Mais até do que deveria. Quando descobri que o Meu Amigo era Imaginário, o estrago estava feito. Não que todas as palavras tenham sido falsas, não que todos os atos tivessem interesses ocultos.

Só que uma única mentira coloca em xeque centenas de verdades. Se descubro que no meio do caminho tinha uma lorota, perco a confiança em qualquer palavra, em qualquer papo, em qualquer história. A credibilidade escorre pelo ralo e leva junto um monte de recordações. Será que foi tudo real? Será que os desvios de caráter já estavam ali e eu não vi? Tudo era óbvio demais e escolhi ser cego?

Acredito na frase “quando chove merda, nunca é garoa”. Ao descobrir que essa amizade era imaginária, me senti naqueles filmes de suspense, em que nos últimos minutos a revelação da identidade do serial killer traz sentido a tantas atitudes que pareciam desconectadas entre si.

Aos poucos, o Meu Amigo Imaginário foi se distanciando. Deixava de responder mensagens no WhatsApp, ignorava questionamentos sobre atos reprováveis. De umas coisas eu nem sabia. Em outras, preferia não acreditar. Me viciei em vídeos de supostos especialistas em relações humanas, destrinchando personalidades sedutoras e narcisistas, capazes de grudar feito carrapatos nas nossas inseguranças e sugar da autoestima como se chupa sangue. Quanto mais tarde percebemos a presença do parasita, mais sequelas terá o tratamento.

Não tenho mais contato com o Meu Amigo Imaginário. Nem sigo seus perfis em redes sociais. Chego a ter picos de ansiedade só de ouvir falar seu nome. Da última vez que tive notícias, estava ao lado de um novo melhor amigo, cheio da grana, e dos contatos, e de status.

A imaginação humana é infinita. É maravilhosa, é transformadora. Mas quando nos faz confundir realidade e ficção, também pode ser perigosa. Muito perigosa.