Melhor coadjuvante

14 de agosto de 2023 2 Por Leandro Marçal

Semana retrasada, participei da gravação de um podcast para falar de literatura. Em outros tempos, teria entrado em pânico. A mão tremeria na frente da câmera, com medo de dizer bobagens e passar vergonha em público. Não gosto de aparecer em vídeos, tanto por escassez estética quanto por timidez seletiva. Nem sou de tirar fotos, prefiro passar despercebido. Mas até que não fui tão mal assim, contrariando meu pessimismo quase patológico.

Volta e meia, me seguro para não rir de carentes por fama vendo a escrita como atalho. Esse tipo de gente ama um texto pronto, mas odeia a crítica pertinente. A ânsia por elogios e bajulação alimenta uma transformação na frente das câmeras, capaz de convencer desavisados de um suposto mundo mágico dos escritores, onde tudo é lindo e maravilhoso, sem trabalho duro para chegar ao fim das linhas rascunhadas em cada projeto. Espero nunca ser confundido com esse grupo por dar uns pitacos sobre o meu ganha-pão.

Não que falar bem em público seja um defeito. É que esse meu jeito desconfiado sempre liga o alerta ao notar a busca por protagonismo excessivo até no balcão da padaria, avisando ao restante da fila que seus pãezinhos serão os mais quentinhos e saborosos.

Talvez seja culpa das redes sociais, onde só existem maravilhas e tragédias, sem espaço para o marasmo cotidiano. Prefiro não chamar atenção, mas forçar a barra do “entrou mudo e saiu calado” pode ter o efeito inverso e chamar ainda mais atenção do que aquela gente carente por atenção deseja.

Gosto de ser um bom coadjuvante. Daqueles que aparecem bem na trama, sem roubar protagonismo. Já frustrei expectativas mal calibradas sobre mim, esperando que eu tivesse boa atuação no papel principal da minha vida. Meu perfil é o das interpretações mais discretas. Sou um ator limitado. Mais que isso: um ser humano limitado. Reconheço esse meu lado mais até do que deveria.

Quando alguém fala alto, faz muito barulho, está rodeado de outras pessoas contando histórias tão supostamente importantíssimas, sinto um misto de admiração, cansaço e pena. Se me bombardeiam com fotos e vídeos autoelogiosos, me espanto: que autoestima da porra!

Devo ter medo de palco, nunca fiz aulas de teatro. Quero ficar aqui, no meu canto, ganhando a vida na frente de uma tela que só eu vejo, volta e meia criando personagens que ganham vida na mente de leitores ou no corpo de quem realmente tem talento para a encenação.

E se perguntam qual a minha disponibilidade para uma gravação, onde falaremos do ofício da escrita e de outros assuntos mais importantes, até participo se for por camaradagem. Mas antes, o meu lado coadjuvante esboça um bom texto com uma desculpa esfarrapada e supostamente infalível para fugir da câmera ligada.