Jornalismo entre aspas

4 de fevereiro de 2019 0 Por Leandro Marçal

Meu diploma da faculdade de Jornalismo está pendurado em uma parede do quarto. Ao redor das letras enfeitadas, um quadro bonito dá pompa à conquista. Quando olho para o certificado, lembro a bolsa integral pelo ProUni, o dinheiro trocado para a condução e o lanche no intervalo, os estágios não (ou pouco) remunerados, os colegas sem entender a necessidade de ajudar meus pais nas contas do mês. O bar de sexta-feira era uma raridade.

Outro dia, me vi com um chapéu quadrado na cabeça, segurando um canudo. A foto estava perdida em uma pasta no computador. De lá para cá, as coisas mudaram mais de uma vez, em casa e fora dela. A vida tem dessas, caminhos tortos nos jogam para lá e para cá. Transitei dentro e fora do jornalismo, passei boa parte do tempo observando as coisas de longe, mantendo contato e contatos. Tive meus dias de sol e chuva para ouvir declarações nem tão bombásticas, de me olharem torto quando publiquei inconvenientes. E cometi erros de quem dava os primeiros passos. Coisas da vida e da profissão.

Não é raro me identificarem pela formação e ofício. Olha o escritor, chegou o jornalista. Entre a admiração irônica e certa raiva contida, percebi já de um tempo o incômodo de uns e outros.

Ao nadar pelo mar de fezes das redes sociais, noto o desdém quando colegas de profissão são identificados com aspas. Não são jornalistas, mas “jornalistas”. Invariavelmente, percebo que a tentativa de assassinato à reputação do profissional não se deve a erros de apuração, textos ruins ou pouco embasamento. Basta cutucar a ferida de poderosos para sua torcida dar as caras.

Beira o cômico viver entre desavisados com dificuldades notórias para interpretar textos simples colocando aspas no jornalismo. Poucos sabem diferenciar matérias, reportagens, artigos de opinião ou crônicas quando encaram textos. Não conseguem explicar em poucos minutos o que é uma apuração e outros conceitos básicos. Desconhecem o que são as aspas no jargão jornalístico. Mas, ainda assim, sentem-se no direito de ofender, rebaixar, ridicularizar a mídia como inimiga pública.

Poderiam criar um manual com dicas de como se comportar no dia a dia real e virtual: na dúvida, culpe a imprensa. Na falta de argumentos, culpe a imprensa. Na ausência de elementos concretos para o debate público, culpe a imprensa. Se não quiser pensar muito, culpe a imprensa.

Outro dia, deslizava a tela do celular e vi torcedores de um grande clube irritados com a imprensa e seus jornalistas (eles colocaram aspas) dando informações de bastidores. Depois, dei de cara outra torcida, essa mais deprimente: a de políticos no poder. Usava o mesmo expediente, diminuindo a capacidade dos que noticiaram falcatruas e incoerências do guru no início de mandato.

Entre minhas manias e compulsões, a de não deixar quadros tortos está entre as mais importantes. Quando a moldura do diploma entorta o pescoço de quem o lê, não encontro aspas.  Tenho dúvidas se a turma das torcidas sabe como usar esse sinal gráfico. O problema é que eles têm certeza. De tudo, menos da própria ignorância, pequenez e histeria coletiva.