Eu não sou um selfie-boy
Não sei se é verdade: alguns povos indígenas acreditam que tirar fotos rouba a alma de quem faz pose. Me sinto assim quando insistem numa indesejada selfie, sem dar tempo de recusar esse estranho costume moderno.
Sou avesso a fotos. Não só por meus poucos recursos estéticos. Parece uma egolatria excessiva, sei lá. Nos meus perfis virtuais, tenho raras fotos tiradas pela câmera frontal do celular. Não me acho melhor que ninguém por isso, nem tenho medo de perder a alma para as grandes corporações. Para fingir ser mais sociável, até me comprometi num grupo de amigos a publicar uma selfie por semestre. E já acho muito.
Fico impressionado com a disposição de quem não se avexa em publicar repetidas fotos sorrindo, fingindo seriedade ou refletindo sobre problemas contemporâneos. Junto delas, legendas com mensagens motivacionais de dar inveja aos sonolentos livros de autoajuda, sem qualquer relação com o retrato publicado. É quase uma convenção social. Sem sentido, para ser mais divertida e fácil de seguir.
O Vinícius, amigo de uma década, é entusiasta do termo selfie-boy para ironizar os viciados em poluir paisagens com o próprio rosto. Sua versão feminina, a selfie-girl, costuma cantar desafinada para a câmera do celular nas baladas de sábado.
O termo parece exótico porque é mesmo. Penso nas crises existenciais, ou num emprego em risco, com o cumprimento de metas de fotografias para se sentir relevante nas redes. Esse meu amigo, o Vinícius, se diverte com fotos sem sentido. Retratos de refeições bonitas, unhas encravadas e pessoas sentadas no vaso sanitário são os seus favoritos. Ele tem pavor do estilo selfie-boy e já terminou um namoro quando descobriu que ela era uma inconfundível selfie-girl.
Quando raramente me rendo aos autorretratos, me preocupo. Tenho medo de ser confundido com essa espécie longe da extinção. A cara preenchendo a tela e o nariz avantajado podem atrair mais gente viciada, pensando que eu também cumpro cotas mensais de fotografias. Ou semanais. Ou diárias, por que não? Há casos graves e outros gravíssimos.
Mas essa angústia passa e fico tranquilo. No mês passado, fiz minha parte na já ultrapassada moda da fotografia com olhar triste usando máscara. Ainda tenho dificuldades para sorrir olhando para o visor minúsculo, mas não vejo problemas. Sou um ativista contra a banalização da alegria fugaz.
Nada contra selfie-boys, tenho até amigos que são. Se os povos indígenas estiverem certos, não sei se posso ficar tranquilo, mas deve restar um pouco de alma por aqui. Para muita gente que conheço, só ficou a matéria.
Com mais de uma década de rede social, não entendo como as pessoas não cansaram de selfie. Se fossem com originalidade, tudo bem. Mas é uma enxurrada de mais do mesmo que dá um tédio! Fotos dentro de carro, treinando, estudando, dando mil e quinhentas satisfações, partindo de uma mar de insatisfação interna. Teatro triste.
A angústia de sempre aparecer, de sempre sorrir, de sempre transmitir ecos para o enorme vazio.