Eles não estão nem aí
Não adianta reclamar, apelar ao bom senso, expor nas redes sociais, gritar para o mundo e cochichar no canto do salão durante a festa.
Quando eles não estão nem aí, nada disso resolve. Quando eles não estão nem aí, quando eles não ligam, quando eles não se comovem com todo o seu sofrimento, não tem para onde correr. Justiça, consciência, cartório, pai e mãe, SPC e Serasa, cônjuge e beliscos. Nada. O negócio é tocar o barco. Você se pergunta como essa gente dorme e minha resposta é simples: dorme bem, dorme tranquila, dorme muito melhor do que nós.
Como conseguem? Simples, eles não estão nem aí, já falei. Essa gente despreocupada, descompromissada, sempre atrasada. Essa gente tem expectativa de vida maior do que a dos preocupados, dos responsáveis. As chances de caírem duros por um infarto fulminante é remota, próxima a zero.
Eles sempre deixam para depois e esse depois dá certo. Eles sempre dão um jeitinho e esse jeitinho se resolve. Você e eu fazemos planos detalhados, sofremos por antecipação só de pensar em sofrer por antecipação, vivemos intensamente cada passo dado, com o coração saindo pela boca e os intestinos saindo pelo outro lado.
Eles flanam, como se andassem nas nuvens, despreocupados com as contas atrasadas. Nem reparam na vida passando pela janela, muito menos notam os detalhes jogando os planos pelos ares, passando a menos de dois metros. Se preocupar pra quê?
Eles reclamam do nosso jeito pessimista, alarmista, apressado, aflito. Porque não estão nem aí, evidentemente. E vivem muito bem assim, nós sabemos. Você e eu até tentamos seguir seus passos, seu estilo de vida, mas não conseguimos. A consciência pesa, o coração aperta, a alma sai do corpo e nossos princípios cobram uma conta cara. Se eles não estão nem aí, nós estamos em todos os lugares, por todos os cantos, prevendo cada mínimo detalhe.
Deve ser da natureza. Deve ser a essência. A nossa e a deles, cada um na sua. Nem sempre são fracos de caráter, às vezes só são assim, relaxados demais. Podemos tentar mudá-los à força para mostrar como as coisas funcionam no mundo real, mas só ficamos ainda mais irritados. E eles não percebem, porque não estão nem aí.
E não se engane: eles podem ser bem filhos da puta. Mas nós também, os neuróticos. Alguns deles são meus melhores amigos, de outros quero distância, pelo menos uns 50 quilômetros longe para não atrasar mais minha curta existência. Mas quando nos encontramos, trocamos boas ideias e até damos boas risadas.
Falsas, muitas vezes. E eles nem ligam, porque não estão nem aí.