Desde quando o mesmo bolo?

11 de setembro de 2023 1 Por Leandro Marçal

No aniversário da Samanta, a caixa redonda em cima da mesa era o alerta. Suspeitei que a hora do parabéns perderia o título de momento mais constrangedor do evento, essa hora que fica estranha se o aniversariante não é mais criança. Quando abriram a tal caixa, nada de surpresa: um bolo branco com um bonequinho tosco desenhado de qualquer jeito. “Reclamando desde 1998” era a frase supostamente engraçada escrita em cores escuras.

Samanta aplaudiu, levantou os braços e riu. Ou forçou o riso, como um apresentador de podcast levantando a bola do convidado humorista. Forcei o riso porque me senti obrigado, quase coagido. Os mais chegados me olharam, esperando uma reação mal-humorada, mas tentei ser menos antipático que de costume.

Quando eu era criança, esperava comer um bolo de chocolate nessas festas. Ou de morango, mas imaginava que esse sabor fosse mais caro. Tinha pavor de bater palmas sobre um doce de coco ou de abacaxi, mas ouvia dos mais velhos a necessidade de pensar num tio, numa avó ou num parente com problemas de diabetes, pressão alta ou qualquer doença que lhe impedia de se esbaldar na massa recheada e coberta de chocolate.

Sinto saudades dos bolos de abacaxi ou de coco quando dou de cara com o tal bentô cake. A internet me disse que essa é uma herança vinda do Japão: o bentô ou obentô é uma porção individual de comida levada para viagem, que pode ser comparada a uma marmita ou lancheira. A nossa vocação de enfeitar o vocabulário com desnecessárias palavras inglesas incluiu ali o cake para transformar a guloseima num “bolo na marmita”. Não entendeu a lógica, nem a motivação, nem a moda recente nas confeitarias? Nem eu.

O aniversário da Samanta deve ter sido o quinto ou sexto, quase na sequência, com esse mesmo bolo pretensamente bem-humorado. Ninguém ligava muito para o sabor, se ficaria muito doce, se daria para alimentar todos os convidados. O mais importante era ser criativo na frase ao lado do boneco esquisito: “há 30 anos chegando atrasado”, “desde 1991 sendo mal-humorado”, “há duas décadas a inimiga do fim”, “desde 1980 com dores nas costas”. Uau! Quanto talento, quanta alegria, quanta leveza, quanta espiritualidade jovial.

Na infância, numa daquelas festas com bolo de abacaxi, tomei bronca em voz alta da minha tia por roubar brigadeiro da mesa. Precisava esperar a hora do parabéns, porque eu não era melhor do que os outros convidados para beliscar um doce antes da hora. Dei as costas e saí bravo, queria me distrair e esquecer o sabor ácido depois da musiquinha com palmas. Eu era apenas uma criança.