Depois do “mas”

28 de agosto de 2023 2 Por Leandro Marçal

Eu ia te contar esse segredo bombástico, mas estava esperando a hora certa. Me comprometi a pagar em dia aquele empréstimo, mas tive uma emergência. Claro que o meu plano era aparecer na tua festinha de aniversário brega, mas na mesma hora tive um compromisso inadiável. Acho linda a tua ideia e incentivo esse lado empreendedor, mas não tive tempo de aparecer na lojinha para comprar umas bugigangas inúteis.

Quando a frase tem o “mas” do meio para o final, tudo que existe antes da vírgula pode ser desconsiderado. Mesmo com bons argumentos, mesmo com dignidade, mesmo que por necessidade, o “mas” desmonta a construção ensaiada até chegar na justificativa indigesta, incômoda, por vezes intragável.

O “mas” é um alerta: só vale o que for dito a partir daqui, e somente a partir daqui. Antes do “mas”, só existe enrolação. Depois do “mas”, habitam as verdades. Antes do “mas”, mora o silêncio que precede o esporro. Depois do “mas”, vive o sincericídio, com uma falsa gentileza até chegar à vírgula, mas (sempre o “mas”) ninguém lembra disso depois do ponto final.

Na hora de vomitar uma fala indesejável, me preocupo com a mensagem construída após a palavrinha de três letras. Não quero soar grosseiro, nem pretendo ser omisso. O chute na canela depois do afago pode ser sincero e antipático. A bicuda antes da mão na cabeça é oportunista e será esquecida.

Porque quase ninguém lembra o que vem antes do “mas”. E quase ninguém respeita a verdade escondida atrás do “mas”. Dali para frente, tudo pode virar ressentimento, mágoa e raiva. Quase todo mundo prefere se iludir com a enganação até a vírgula, com a hipocrisia até a vírgula, com a enceradeira girando em volta da sujeira até a vírgula. Só de ouvir o “mas”, as pernas tremem, a boca seca, o coração palpita mais alto e mais rápido, os olhos piscam sem parar. Os lábios se tocam formando a letra M e os ombros travam, o olho arregala, a sobrancelha levanta, a inconformidade acorda.

Queria terminar dizendo que não sou assim, mas não seria sincero da minha parte. Queria dizer verdades inconvenientes sem usar essa muleta, mas não sou tão evoluído. Queria nunca me abalar quando uma frase dessas me atinge feito um soco na boca do estômago, mas tenho as minhas imperfeições humanas.