Demonstrações públicas de afeto
Frio, seco e insensível. Só não perdi as contas de quantas vezes me qualificaram com o indesejado trio de adjetivos porque nunca dei atenção a essa contabilidade inútil. Sempre tive dificuldades para expressar sentimentos e emoções sem soar forçado.
Com 12 ou 13 anos, criei meu perfil no Orkut. Usei a internet do Amigo da Escola para dar os primeiros passos na falecida rede social. Tive dúvidas no campo das informações sobre características pessoais, me senti preenchendo uma ficha de hospital ou um formulário com dados cadastrais para um processo seletivo.
Demonstrações públicas de afeto: não. Claro que não. Não sou disso, nunca fui. O Amigo da Escola me repreendeu no tom nada cordial dos pré-adolescentes. Eu não faria sucesso com as meninas se elas vissem essa indesejada sinceridade exposta num perfil público.
Longe de ser um Kimi Raikkonen, piloto de Fórmula 1 finlandês apelidado como o “homem de gelo”. Mas é raro eu chorar ou mudar a feição ostensivamente, o que não significa indiferença. Eu sinto alegria pelas conquistas, tristeza pelas derrotas, raiva pelas canalhices. E muito.
Empatia, compaixão, ódio. Estão todos aqui dentro, sem a necessidade de gritar por aí. Não acho que dizer “eu te amo” deva ser mais valorizado que os atos concretos e amorosos do cotidiano. Quando tentei ser diferente, pareci um ator canastrão e sem talento. Não convenci.
Talvez o próprio Orkut tenha dado sinais dos nossos tempos e eu não fui sagaz. Não basta viajar, é obrigatório postar. Cozinhar bem não é o suficiente sem uma sequência de fotos nas redes. Aliás, a alimentação não se basta, todo prato precisa ser à Masterchef para ganhar aprovação do público de seguidores. E em tempos de suposta preocupação com a saúde mental, mais que estar bem consigo mesmo, se faz necessário o bombardeamento de selfies repetitivas e desnecessárias com frases de autoajuda, sob pena de cair no ostracismo no grupo de amigos virtuais.
Por que com demonstrações públicas de afeto seria diferente? Ser reservado, na minha, quieto num canto, deixou de ser característica pessoal. Parece defeito. Segundo a Amiga Crossfiteira, meu abraço precisa ser mais apertado e menos gelado. Sem distanciamento. Ela tem certeza da existência de um coração batendo aqui dentro. Meu cardiologista concorda.
O Amigo da Escola tinha certa razão. Já fracassei com algumas meninas que achavam inaceitável esse meu jeito: frio, seco e insensível, segundo elas. Objetivo, direto, racional e sem melindres era a forma como eu preferia ser qualificado, mas nem tudo na vida depende de nossas escolhas.
Talvez eu tivesse um melhor emprego, mais popularidade, dinheiro e encantasse mais corações se dissesse que tudo é lindo, tudo é maravilhoso. Mas só sei ser assim, como sou. Quem me conhece sabe como eu sinto, quanto eu sinto e quando eu sinto. Pelo menos é o que eu acho. Às vezes fico na dúvida, como se me assustasse diante de uma ficha de hospital ou tremesse com um formulário nas mãos, antes de um processo seletivo.