De que são feitos os paraísos?

8 de julho de 2019 0 Por Leandro Marçal

Tenho dúvidas se há vida após a morte. Não confio na existência de um céu com nuvens algodoadas, calmaria, harpas e anjos preenchendo planilhas. Aquele cenário folclórico e romantizado nunca entrou na minha cabeça. Mas creio firmemente no paraíso. Nos paraísos, melhor dizendo.

Porque cada um é capaz de imaginar seu próprio paraíso. E vivemos tudo que imaginamos. Em sonhos, devaneios, distrações de poucos minutos. Nem que seja por segundos, vivemos o que sonhamos.

O paraíso, para uns, pode ser um monte de dinheiro para ser gasto em superficialidades. Para outros, ele é representado pela imagem de uma sequência de mulheres ou homens sem roupa dispostos a fazer sexo enlouquecidamente, suprindo suas necessidades pessoais. O paraíso de Beatriz Almeida eram os livros.

Não era à toa que ela listava suas leituras em uma rede social que eu desconhecia, a Listography. Por ali, quase mil livros pelos quais passou os olhos atentos foram anotados, como tarefas cumpridas com a devida dedicação. Porque ler, para ela, não era um passatempo, era o paraíso.

Com 20 e poucos anos, seu currículo de leituras era considerável. Poderia chegar a 10 mil, 20 mil, infinitos livros durante a vida promissora. Na sexta-feira da semana passada, porém, um trágico acidente na via Dutra antecipou sua chegada ao céu, seja ele formado por nuvens algodoadas, calmaria, harpas e anjos preenchendo planilhas ou não. Não importa se ele é folclórico e romantizado como tentam nos fazer acreditar desde há milênios.

Importa pensar em seu paraíso. Em nossos paraísos. No paraíso imaginado por Beatriz Almeida, ela faz parte de linhas com palavras agrupadas em frases, organizadas segundo uma lógica que faz sentido de acordo com um código particular intitulado linguagem. Seu paraíso, a literatura, a recebeu de braços abertos, mostrando os caminhos secretos que nós, meros leitores, desconhecemos.

Quando um amigo próximo contou sobre o acidente, me perguntei o que seria o paraíso para mim. Quais seriam os paraísos possíveis para os que me cercam, para os que me leem, para os que conheço, para os que falam comigo, para os que se afastaram, para quem nunca mais vai falar comigo?

Certamente, o paraíso do meu amigo enlutado teria a presença física de Beatriz Almeida por mais tempos, por muito mais anos, por toda a vida.