Consciência corporal

15 de julho de 2024 0 Por Leandro Marçal

No evento cultural (sim, eles existem!), gente interessada no artista recém-octogenário debatia sua vida e obra. Da plateia, a fã questionou se o artista recém-octogenário chegava a essa marcante idade tão bem de saúde porque cuida do corpo. Um dos palestrantes fez a ressalva: o artista recém-octogenário não só cuida do corpo, mas vive o corpo. Conforme suas vontades, em todas as possibilidades. Como ninguém é de ferro, teve exageros na juventude, então cuidar talvez não seja o verbo mais adequado. E isso não é tão ruim assim.

Viver o corpo. Por uns dias, essa fala não me saiu da cabeça. De provocação, virou epifania em tempos de culto e fiscalização do corpo nas academias e nas redes sociais, de obsessão por resultados, de desnecessárias prestações de contas sobre dietas e treinamentos insanos. Viver o corpo em todas as possibilidades: físicas e mentais, afetivas e sexuais, necessárias e banais. Em protesto contra o utilitarismo cotidiano, onde tudo precisa render, todo passo deve caminhar para grandes objetivos.

Quando corria na rua, nunca me interessei por provas cheias de gente, nem por competições, tampouco melhorar os números compulsivamente numa competição interior. Queria me sentir bem. Sair de casa é dureza, correr é um suplício, mas a recompensa do pós-corrida é viver o corpo. Sou um homem sem ambição. Para muita gente, um defeito, um desvio de caráter.

Nos ponteiros finais da adolescência, ser muito magro era uma das minhas inseguranças. Até tentei uns poucos meses de musculação, para onde só volto por motivos de saúde. Longe de mim incentivar o sedentarismo, mas o exercício físico e a boa alimentação sem fundamentalismos parece um ato revolucionário, coisa de gente estranha, de gente indesejada pelos viciados em espelhos.

Puxar ferro como preencher planilhas. Seguir dietas como bater o ponto na catraca da firma. Decorar passos de dança como se memoriza a matéria da prova.

Outro dia, nadei 800 metros. Pular na piscina melhora a minha saúde mental. Se divido a raia com muita gente, perco a concentração. Volto para casa com a sensação de um dia mais bonito lá fora e aqui dentro. Se no próximo treino tenho dificuldades em respirar e dar minhas braçadas, aceito. Não sou atleta profissional, nem ligo para o alto rendimento.

Hipocondríaco, me apego a questões de saúde. Tento cuidar da mente, até falo em cuidar do corpo. Mesmo sem saber se serei um artista recém-octogenário, os dias mais bonitos lá fora e aqui dentro me incentivam a viver o corpo.