Condenado à ironia perpétua

14 de janeiro de 2019 0 Por Leandro Marçal

Um velho amigo ficou irritado. Conversávamos via WhatsApp sobre seu não-cumprimento de compromissos profissionais. Tive um evitável prejuízo e cuspia marimbondos pelos dedos, tocando a tela do celular com raiva, como se gritasse via impressões digitais. Meu velho amigo tentava, em vão, me tranquilizar.

– Se você entender meu lado, vai perceber que o motivo da mancada foi sério, não pude fazer nada.

– Tá certo, não tenho empatia, só penso em mim. Reconheço o erro e prometo melhorar, vou avisar o banco para entender meu lado também.

– Para de ser irônico, cara!

Senti a catarse de quando descubro a identidade do assassino em filmes de suspense e mistério. Percebi ter caído em uma prisão perpétua. Em momentos de fortes discussões, na impossibilidade de abrir cabeças teimosas com um bisturi e inserir um pouco de racionalidade para provar minhas teses, recorro à ironia.

Passo a concordar com tudo, ridicularizo quem discorda de mim ou me desafia, levo ao sorriso amarelo ou constrangimento máximo quem estiver por perto. Vez ou outra, o sarcasmo e o cinismo também aparecem.  

Tive a sensação de estar na pele do personagem interpretado por Leonardo Di Caprio no ótimo Ilha do Medo. Se ele e o espectador não entendem bem os mistérios da investigação por pouco mais de uma hora, o momento em que a loucura do protagonista internado na clínica é revelada nos leva a uma paralisação, como descobrindo o sentido da vida, se ele existisse.

De tanto usar da ironia quando acuado, percebi que boa parte da minha vida é pautada por essa figura de linguagem impossível de ser explicada, pois assim perderia o efeito de imediato.

Minhas piadas são ditas por uma voz séria e grossa. Nem todos os menos intelectualizados vão achar graça, nem todos os mais intelectualizados vão desfrutar a graça na falta de graça. Minha melancolia é disfarçada pelo humor como mecanismo de defesa. A camuflagem nessa acidez já causou desconfiança das minhas boas intenções em desejos por um bom dia ou feliz aniversário.

É curioso notar a ironia vista como traço de arrogância. Dizer sem dizer, dizer o contrário do que realmente se quer dizer. Não é para qualquer um. Sentimos ser parte de um grupo privilegiado, capaz de sacar a mensagem nas entrelinhas como quem fecha as mãos e fica feliz por caçar uma mosca.

Algumas reflexões parecem inúteis diante do esmagamento das tarefas práticas do cotidiano. Tinha que responder meu velho amigo e não me concentrar na raiva. Prolongar a discussão seria pior para todos e não resolveria meu problema. Digitei, pensei, apaguei, digitei outra vez e, enfim, enviei a mensagem necessária para prosseguir o papo esclarecedor.  

– Irônico? Que nada, desculpa ter passado essa impressão equivocada, você está sempre certo, mestre…