Coisas chatas

9 de setembro de 2024 0 Por Leandro Marçal

Me pediram desculpas e um pouquinho de paciência, mas alguém tinha que resolver aquelas coisas chatas do trabalho. Tarefas que ninguém quer fazer, tão simples quanto enfadonhas, chamadas de complexas como desculpa de gente esperta para fugir correndo. Nada empolgante. Para alguns colegas, as coisas chatas são um castigo, um rebaixamento, uma humilhação.

Aceitei de bate-pronto, sem reclamar. Não que eu seja um cordeirinho profissional, nem o cara mais empolgado para riscar a lista com as tarefas do dia. Sou pragmático. Estou aqui para trabalhar, vou cumprir minhas obrigações, dentro de limites éticos bem sólidos. Se tentam invadir o meu espaço, não gaguejo ao mandar à merda quem merece, me camuflando de elegância e eufemismos corporativos.

Porque é impossível fugir das coisas chatas. Talvez a descarga de dopamina nas curtidas e comentários (elogiosos ou odiosos) de redes sociais tenha nos deixado mal-acostumados, esperando alegria e entusiasmo de minuto em minuto. No trabalho, mas também fora dele.

Faz parte da vida atravessar a mata fechada dos dias com uma foice na mão, cortando o matagal para tirar do caminho as coisas chatas, os desaforos, o tédio, o cansaço, as esperas intermináveis e outras irritações. Tiramos do caminho com esforço, sem fingir que não existem, sem terceirizar a travessia cotidiana.

Convenhamos, a vida da gente tem mais coisas chatas que coisas legais. Não que seja ruim, é justamente por isso que as coisas legais são legais. Se fossem maioria, cairiam na banalidade, na pequenez rotineira. Copas do Mundo e Jogos Olímpicos acontecem a cada quatro anos pelo mesmo motivo que o Carnaval nos invade oficialmente só em fevereiro: são especiais demais para a rotina, mas dá para preservar seu espírito também nos dias comuns, nas horas chatas, nos minutos que não passam.

Enquanto resolvia as coisas chatas do escritório, lembrava a expressão “o trabalho sujo dos outros”. Gosto de pensar na grandeza de quem recolhe o lixo das ruas e cadáveres das rodovias, varre calçadas, higieniza banheiros públicos. Tão invisíveis para muita gente, tão importantes para toda a gente. Fazem essas coisas chatas que parcelas expressivas da sociedade julgam menores, enfadonhas e indignas.

Disse o poeta: “é melhor ser alegre que ser triste”, mas “é preciso um bocado de tristeza”. As coisas legais são melhores que as coisas chatas, mas as coisas chatas têm sua importância. Que não é pouca. Quando valorizamos sua existência, as coisas legais ficam muito mais legais.