Casa velha e casa própria
Moro numa casa grande e velha. Dá para notar pela arquitetura e estilo da construção. Fica na divisa entre o centro da cidade e meu bairro de infância. Localização privilegiada, sem muito tumulto e de fácil acesso. O dono é um cara bacana. Cobra um aluguel bem justo, de acordo com as condições do imóvel.
Aluguel. Essa palavra causa arrepios num bocado de gente conhecida. É dinheiro jogado fora, dizem uns. Passou da hora de sair daqui e garantir o meu canto no meu nome, dizem outros. Parte desses analistas sentiu o baque da vida adulta ao se deparar com o valor das contas de luz, água e alimentação, preocupações mensais desde os dezesseis anos, quando comecei a trabalhar.
Me falam das opções para financiamento habitacional, sem ouvir minha fala sobre não ganhar o suficiente. O banco não me dá crédito, eu digo. Para tudo há jeito na vida, me respondem. Cada vez mais, casa própria ganha ares de miragem distante, destinada a poucos privilegiados. Nem sonho é mais.
Curto minha vidinha mais ou menos, sem excessos. Me dou o direito a poucos luxos e o de entrar numa conta de mais de 30 anos é inviável, tamanha instabilidade profissional de uns tempos para cá. Acho estranho quando os conselhos de amigos não colocam meu histórico no contexto, dando a entender que não ter o meu canto, no meu nome, é sinal de fracasso ou coisa parecida.
Segundo os economistas, não é vantajoso entrar num relacionamento sério com um financiamento habitacional por décadas. Curiosamente, nunca vi um especialista falando quanto paga no aluguel, ou se dava aquela forcinha nas contas de casa ainda antes dos dezoito. Talvez esses tipos não tenham espaço na mídia. Na minha adolescência, um quarto só para mim era luxo distante. Nunca fui o público-alvo das falas de economistas.
Faz uns meses, planejo comprar tinta. Na falta de perspectivas para ter o meu canto, no meu nome, quero pintar as paredes brancas da casa velha. Já está bom demais para minhas poucas pretensões. Quando eu fizer isso, esse lugar vai ganhar aparência mais jovem, como nas vezes em que voltamos do cabeleireiro.
Essa casa velha, que não é casa própria, me parece mais aconchegante do que os gigantescos condomínios fazendo sombra nas calçadas, alardeados em panfletos distribuídos por todo canto. Com academia e piscina. A churrasqueira só pode ser usada após a devida reserva antecipada.
Me sentiria desconfortável morando numa cidade dentro da minha cidade. Me sinto bem aqui, nessa casa grande, nessa casa velha. Me sinto bem aqui, mesmo nos dias de pagar o aluguel.