Barba de ansioso
Deixei a barba crescer quando percebi que minha carequice era irreversível. Carequice mesmo, não calvície. A primeira é uma escolha, a segunda um suplício. Toda carequice carrega um pouco de calvície, mas os calvos costumam se envergonhar de ser carecas.
O crescimento da barba é a única maneira de mudar um pouco o visual, já que não posso inovar no penteado. Nos primeiros granulados aparecendo entre as bochechas e o queixo, me incomodava. Hoje, penso que sem barba há maiores possibilidades de piadinhas pela falta de pelos no cocuruto, depois de uma lâmina remover os pequenos fios.
Não tenho muita paciência para isso. Aparar, ajeitar, deixar alinhada. É comum a barba meio torta para um lado, culpa da preguiça com vaidades. Ser careca me deixou arrogante: olho os penteados bem trabalhados, com cremes ou gel, cabelos jogados para um lado ou para frente, sinto muito pela desnecessária perda de tempo. Como se eu vivesse mais por não ter cabelos e fosse mais desapegado por não mirar a própria imagem no espelho, buscando um ângulo capilar aceitável.
Minha barba indica desleixo visual, mas prefiro que cresça para desviar a atenção da careca. Ela já foi assunto com a terapeuta. Na salinha, falamos de tanta coisa, até de cabelos, mas principalmente de ansiedade, crises, acelerações desnecessárias que tiram o sono, a calma, o raciocínio.
Por isso, fizemos um experimento. Ao fim de cada surto, quando recupero a lucidez e volto a uma velocidade saudável para me manter vivo, tiro a barba. Nem precisa ser na lâmina, pode ser com a maquininha elétrica mesmo.
Sei o trabalho que dá mantê-la de um jeito razoável. E é no crescimento após esses dias ruins que percebo o tempo próprio da barba, em um ritmo diferente do meu. Quando os picos ansiosos me fazem suar, passar noites em claro, ouvir o coração palpitando, andar de um lado para o outro sem motivo, pareço incapaz de racionalizar a inutilidade da pressa.
O recomço da barba me ensina. Não adianta coçar ou passar cremes milagrosos. Ela cresce dia a dia, na sua velocidade. Mesmo que me irrite, xingue, corra ou esbraveje, ela vai manter o mesmo ritmo de crescimento, sem se importar comigo, ainda que parte de mim.
Deve ser assim com o mundo. Esperamos respostas rápidas para solucionar problemas complexos, elas não vêm, surtamos. Não entendemos nossa impotência diante de coisas que estão fora de controle. Nessas horas, sinto inveja dos que cultivam grandes árvores, vendo seu crescimento aos poucos, desde a germinação. Eu, com o ritmo urbano sufocante, não deixaria a barba crescer.
No começo da semana, passei a maquininha elétrica no rosto. Me olhei no espelho e perguntei: por que tanto descontrole inútil, por que pessoas que me prejudicaram me causam transtornos à distância, por que não pensei na minha barba?
O medo do novo é outro fator que me deixa com a cara lisa. Nos breves períodos de desemprego, por exemplo, sou visto sem bigode chamativo e queixo coberto. Meu primeiro dia no emprego, o primeiro encontro, a dinâmica de grupo: sem barba. E sem sono.
Nos momentos sem fios faciais, evito tirar fotos. Procuro ter recordações como um barbudo. Percebo ali um trabalho, uma construção, a paciência do lento crescimento. Meu e das penugens, entre idas e vindas, tropeços e recomeços constantes.
Por onde passo, procuro deixar a impressão do homem barbudo, lúcido, que entra e sai pela porta da frente, deixa boas lembranças e risadas. O homem sem barba é a demonstração das fraquezas humanas pelas quais todos passamos para aprender, evoluir. Sou um ser humano falho com barba, sou um ser humano em aprendizado sem ela, sou o mesmo ser humano de cara lisa ou granulada.
Para mim, cabelos são metáforas. Poucas vezes fui cabeludo, queria ser barbudo o tempo todo, tenho a cara lisa quando tropeço. Somos seres humanos o tempo todo, não cargos ou rótulos, que só nos rodeiam. Não somos este ou aquele emprego, mas estamos ali, até ninguém sabe quando. Não somos nossas dívidas, neuroses, ambições e mancadas. Passamos por tudo isso, tudo isso passa por nós.
E podemos crescer com tudo isso. Como a barba, no seu tempo, sem pressa.