Banqueiros e bancários
Se eu não tivesse feito críticas ácidas à publicidade e às propagandas, o K. não teria levantado a voz no meio da agência de comunicação onde trabalhamos. Irritado, chamou atenção de colegas do andar. “É a publicidade que paga o teu salário, seu idiota”, ele gritava. “Não, seu imbecil, é o suor do meu trabalho que paga o meu salário”, eu respondia, exaltado.
O clima não melhorava e me levaram à copa para tomar um café e acalmar os ânimos. Não sem antes ouvir o K. me acusando de uma fala ofensiva a ele e aos profissionais da área. “Mas a crítica não é contra nós, do chão de fábrica. Ele bateu nos donos do dinheiro”, R. tentava explicar, sem sucesso.
Naquela hora, lembrei um trecho da música Contexto, do Planet Hemp: Não conseguem diferenciar / Banqueiros de bancários / Megatraficantes de meros funcionários / E assim permanecem estagnados / Quando não regredindo (…).
Também pensei no meu amigo bancário. Já passa de uma década que ele bate metas oferecendo empréstimos consignados, seguros de vida e investimentos para clientes de alta renda. Meu amigo bancário odeia banqueiros, se enoja dos ricos e despreza o poder dos bancos na nossa autointitulada democracia representativa. Quando perguntam seus motivos para continuar batendo cartão numa instituição dessas, é pragmático. “Não trabalho aqui porque gosto, mas porque preciso. Sou só bancário, funcionário. E tô longe de ser otário”, ressalta as rimas.
Meu primeiro emprego foi num mercadinho de bairro. Não me sentia ofendido quando clientes reclamavam do preço do pão. Nem acho que os pedreiros erguendo o prédio de dez andares à frente de casa se mordem por dentro quando reclamo da gentrificação e da construção civil.
Volta e meia, me espanto com o comportamento dos colegas exercendo vagas que exigem nível superior. Pode ser que o diploma os impeça de se enxergarem como classe trabalhadora, apertadores de parafuso na grande engrenagem do mundo corporativo. Parecem bancários com crise de identidade, identificando-se como banqueiros.
O K. não estava num dia bom. Não sei se ele sabe as diferenças entre banqueiros e bancários, nem se conhece o significado de corporativismo. Tenho minhas dúvidas se ele já refletiu sobre a necessidade de um olhar crítico para a evolução. Inclusive interna. Mas tudo bem.
Quando as coisas se acalmaram, voltei para minha mesa. Vi o K. se aproximando e respirei fundo. Ele pediu desculpas pela exaltação, precisou da ajuda dos colegas para entender meus argumentos e prometeu pagar uma cerveja depois do expediente. Me pediu sorte, não entendi. “Tenho uma reunião agora com a chefia. Deu merda pra aquele cliente lá”, explicou, remetendo a um erro cometido dois dias antes.
Recém-casado e com financiamento habitacional por pagar, o K. tinha medo de ser demitido.