Aquela Tensão

10 de fevereiro de 2025 0 Por Leandro Marçal

Você começou o papo despretensioso, sem segundas intenções, puxando um assunto de interesse comum, como fazem (ou deveriam fazer) as pessoas educadas no mundo, porque precisamos de mais pessoas educadas no mundo, dessas que puxam papos despretensiosos e sem segundas intenções.

E esse papo despretensioso parecia não ter fim. Em tempos de comunicação instantânea pelo WhatsApp, alguns papos parecem não ter fim. Você não precisa marcar dia e hora na agenda para jogar conversa fora. Basta chamar, consciente de que a comunicação assíncrona deveria ser mais valorizada. São rotinas diferentes, sempre corridas, com seus próprios horários e dinâmicas.

Sem avisar, Aquela Tensão dominou o papo despretensioso. Que de despretensioso passou a diário. Que de diário passou a tocar em mais temas de interesse comum. Desses que rodeiam gente adulta: trabalho, dinheiro, família, relacionamentos, inseguranças, pequenas alegrias, grandes tristezas.

Claramente, você e a outra parte se admiravam. Intelectual e fisicamente. Tinham gostos parecidos. As opiniões, quando divergentes, eram respeitosas e acrescentavam ideias para o nascimento e perpetuação de novos papos despretensiosos.

Mas era como se existisse uma barreira invisível, protegida por Aquela Tensão. Você não tinha mais tanta certeza de que esse papo era mesmo despretensioso. Aquela Tensão cresceu, ficou mais nítida, quase palpável. Essa tal barreira invisível impedia que você e a outra parte dessem um passo adiante. Vai que, sei lá, fosse apenas impressão. Vai que Aquela Tensão fosse apenas simpatia. Vai que as inseguranças fossem maiores que Aquela Tensão. Vai que você tivesse confundido as coisas, se iludido, se enganado. Acontece, somos humanos.

Quanto mais dias se passavam, mais Aquela Tensão se solidificava. Uma hora, desmancharia no ar. Você sabia e achava que a outra parte também sabia. Depois que Aquela Tensão aparece, as coisas nunca mais são as mesmas. Para o bem ou para o mal.

Na pior das hipóteses, o papo que começou despretensioso também se desmancharia no ar, depois de mensagens e mais mensagens, depois de fartamente alimentado por Aquela Tensão. E você suspeitava que a outra parte também sentia um frio na barriga, um receio, uma angústia, uma quase covardia de chutar a despretensão do papo para bem longe.

Numa sexta-feira qualquer, vocês se encontram num barzinho. Não sem companhia: estão ao redor de amizades em comum. Não têm coragem de se encontrar sem mais ninguém por perto (ainda?). Você não comentou com nenhuma amizade sobre os papos recheados por Aquela Tensão. Podiam te interpretar mal. Dentro do teu coração, tem certeza que a outra parte também preferiu não se expor. Mas também sabe que o coração erra.

Você nunca se atrasa. A outra parte chega um pouco depois do combinado. Sobrou um lugar do teu lado, parece proposital. Não que você fosse reclamar. A outra parte senta no tal lugar sobrando. Os olhares se cruzam. O cumprimento, os sorrisos, a satisfação mal coberta pela timidez. A forma de levantar. O gestual. O tom de voz. A mão que segura o copo. A falsa atenção a quem fala no outro canto da mesa. Aquela Tensão te contaminou completamente, também contaminou a outra parte. E de um jeito irreversível.